Incerteza e mais digitalização trazem maior ebulição à economia e empresas
Uma economia que tem mexido no meio da incerteza global e segue à boleia da IA e das tecnologias. Os líderes falam numa necessária adaptação das empresas e de como é preciso aumentar a produtividade para continuar a gerar competitividade.
Volta e meia, a conversa entre os seis participantes do painel "A Economia em Ebulição" ia parar ao tema da inteligência artificial (IA), ou não fosse esta uma das últimas grandes descobertas do século. A sua força para mover investimentos e conhecimento tem potencial para mexer com a economia, mesmo que Portugal seja um país que se revele mais atrasado.
"Portugal sempre foi um país de tudo ou nada. Reagimos e atuamos em coletivo, mas adiamos muito até sermos confrontados com a realidade", apontou José Teixeira, presidente do Conselho de Administração do dstgroup.
"Nunca se viverá do lado da tendência se estivermos desligados do conhecimento", adiantou o responsável do dstgroup, numa opinião partilhada por Luís Menezes, CEO do grupo Ageas Portugal, que admite que os últimos anos têm sido "sem paralelo". "Estamos em abulição e isto ainda não rebentou. Não é mau, o problema é que não está bom para todos", reforçou o CEO.
Não se mostrando grande apologista da revolução tecnológica que se está a viver, explicando que ainda existe muita especulação, Luís Menezes acrescenta que estamos "numa lógica de 'winner takes all'". "Estamos cansados de ouvir falar de IA. Tem havido muita promessa, mas tem havido enorme especulação em torno dos contratos que só arrancam daqui a mais de uma década".
O sentimento é também espelhado quando aborda a questão do rebentar da bolha. "O primeiro ciclo vai ter similitudes com as dot.com pela onde especulativa, mas o que me preocupa mais é o tema da desigualdade que as tecnologias estão a trazer", explica.
Já Vítor Pereira, membro da Comissão Executiva do Bankinter Portugal, é mais positivo, tanto a nível de conhecimento como de tecnologia. Assumindo que trabalha com cinco gerações diferentes, o que "em si mesmo é um desafio", o trabalho também é feito em cima de "novas variáveis".
"Falamos muito em ebulição, mas tudo isto representa oportunidades", vinca. Quando questionado se estas oportunidades superam os riscos, Vítor Pereira admite que o risco - por mais que estes sejam - é sempre uma constante: "O risco faz parte e existe para ser gerido, mas há uma grande dimensão de oportunidade".
"O novo normal é esta incerteza constante que vai aumentar exponencialmente. O ritmo de mudança mudou e vai continuar a mudar", alerta Miguel Cardoso Pinto, partner e líder da EY Parthenon, apontando que as empresas têm quase a obrigatoriedade de se adaptarem para conseguirem sobreviver.
"Ajudamos as organizações a criarem um ponto de vista próprio sobre o futuro e o que vão ter pela frente. Não temos uma bola de cristal, pelo que só as podemos ajudar a descodificar os sinais e incertezas. O que as empresas vão ter de enfrentar não será a extrapolação do presente baseado no que deixamos para trás. O futuro vai ser diferente porque temos uma bipolaridade: um ponto de vista próprio, com estratégias e abordagens a serem refeitas a curto prazo", sustentou.
Para o líder da EY Parthenon, a "transformação digital com IA vai acontecer, mas o grande desafio é que os executivos estão a tentar digitalizar os modelos de negócios atuais, e a nossa provocação é reinventá-lo. É importante falar do que vamos fazer no futuro, mas também do que deixamos de fazer, que muitas vezes passa por matar o 'core business'".
A visão positiva, e de transformação, é partilhada pela CEO da Siemens, Sofia Tenreiro. "O maior bloqueio atual são as mentalidades. Temos um país de PME. Precisamos de apostar na capacitação das lideranças para não bloquearem a reinvenção necessária".
Apologista da IA, Sofia Tenreiro não nega que houve, inicialmente, uma promessa, mas alerta para a necessidade das empresas estarem a fazer o seu caminho. " A IA precisa de uma primeira fase muito grande de 'foundation' que hoje não existe. É preciso repensar toda a estratégia de dados, o que não foi uma aposta inicial das empresas. Não há dados para conseguirmos ter um modelo robusto e trabalhar em cima deles", alerta.
Outra necessidade para onde os líderes e as empresas têm de olhar é para as pessoas, quem constitui uma empresa. "Há quem seja apaixonado por IA e quem esteja super apavorado porque acham que a IA vai roubar o emprego. E é verdade, a IA vai roubar a maior parte dos nossos empregos, mas também vai criar muitos outros. Só temos de perceber se somos tarefeiros ou se estamos a acrescentar valor", sustentou. Um dos passos está na capacitação para a literacia das equipas, tornando-as mais produtivas, eficientes e inteligentes com a ajuda da tecnologia.
Há espaço para competitividade?
A resposta agrupa mais consenso: só se aumenta a competitividade com um aumento de produtividade.
O presidente do dstgroup lembra que o relatório Draghi tem na inovação um dos seus grandes pilares, e imediatamente por baixo está a produtividade. "O problema da Europa é de produtividade, o problema de Portugal é de produtividade acrescida".
No entanto, há uma componente que tem vindo a ser esquecida: a dimensão social. "Nunca se fala ou ensina que temos de ter comportamentos de entreajuda nas empresas, confiança nas empresas, comportamentos de conversação e negociação das empresas, não individualistas ou que geram mediocracia individual em que cada um faz a sua corrida. Isso prejudica a competitividade das empresas", advertiu.
O passo para competir passa então pela parceria com a academia e centros tecnológicos, não deixando as empresas sozinhas. "Há um grande viés quando se fala em formação, porque a formação tem de ser paga pelo Estado, e as empresas estão a cumprir com uma generosidade não prevista. Mas isso é um erro, porque quem mais ganha com a formação dos trabalhadores são as empresas, que aumentam a competividade e valor do produto".
É precisamente a desigualdade na distribuição de competitividade que procupa o CEO do grupo Ageas. "O retorno de capital está a ir para 0,5% da população portuguesa. Houve um aumento rapidíssimo do salário mínimo e os preços aumentaram. Temos uma massa que não entende para onde foi o crescimento. Vemos o PIB a crescer, temos unicórnios a sair de Portugal, mas a melhoria não é palpável".
Na visão de Luís Menezes, o salário mínimo não consegue ser, por si só, um gerador de crescimento económico. "O maior gerador de crescimento foi o aumento de imigração. Claro que temos de regular, mas foi o crescimento da imigração que nos trouxe até aqui", onde os trabalhadores que chegam de fora aceitam trabalhos que conseguem mexer com a economia, além de darem ganhos à Segurança Social.
E as empresas têm de olhar mais para os trabalhadores, que vão quem lhes dão os verdadeiros ganhos. "As empresas não podem olhar apenas para a rentabilidade a entregar ao acionista. Temos de entregar a rentabilidade aos colaboradores e devolver mais à sociedade", alerta.
Mais lidas