pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque

Nikita mora ao lado da Prada mas não se veste como ela

As grandes marcas aterraram no centro da Avenida da Liberdade e a bordo trouxeram o luxo dos novos ricos do Brasil e Angola e dos velhos ricos nacionais. Mas a mudança não evita a queda do comércio de rua.

01 de Janeiro de 1900 às 23:30

A nova "movida" não mexeu com os lojistas ali instalados há décadas, que vêm passar o luxo dos novos visitantes mas não o conseguem capitalizar. O "hype" mediático que o novo centro comercial a céu aberto produziu não encontra eco na voz dos que vêem os negócios a não "sair do sítio".

"Uiiii. Já vi isto mudar muitas vezes. As grandes lojas trouxeram pessoas que não se viam aqui. A esse nível melhorou. Mas para nós do pequeno comércio não muda nada porque essas pessoas não entram aqui", lamenta Fernando Oliveira, gerente de uma loja de "souvenirs" paredes-meias com o Hard Rock Cafe.

Do outro lado da rua, passear no centro comercial Palladium é também entrar numa máquina do tempo que nos leva até aos anos 80. No primeiro e segundo andar destas galerias é tão difícil encontrar pessoas como lojas abertas. No rés-do-chão, o cenário é outro: mais espaços, mais vida. Mas também ali, não se encontra a mais-valia da nova dinâmica internacional.

"Quem lá vai fazer compras, não vem aqui à loja porque o centro em si não é muito visível. É pequeno, e não tem nada que atraia as pessoas", explica Alzira Lima, proprietária do pronto-a-vestir Nikita. Mas as pessoas não têm curiosidade em descer a avenida? "Aqui vem a classe média, e também a mais alta. Mas é um outro tipo de público, realmente", assume.

"Yuppies", "hipsters" e turistas

A existência de "uma espécie de guetos" na Avenida da Liberdade é, aliás, assumida por quem lá trabalha. É o caso de André Soares, empregado de um dos novos quiosques da zona central da artéria. "Os públicos não se misturam muito", enfatiza. Se na parte de cima da avenida proliferam os "yuppies" do "mini-bussiness center", no meio "estacionam" os "hipsters" por força do magnetismo cultural do teatro Tivoli e do cinema São Jorge. Mais abaixo, é o "melting pot" de turistas que dizem presente.

Da análise empírica para o estudo profissional, baixemos o microscópio à realidade da avenida que completa 130 anos. Segundo o estudo mais recente da consultora Cushman&Wakefield, "a Avenida da Liberdade concentra a maior área de comércio de rua do centro de Lisboa, totalizando cerca de 25.500 m2, 17% da oferta". "Os operadores internacionais, como se pode verificar pelas principais aberturas, têm vindo a reforçar a sua presença, passando de 40% em 2008 para mais de 51% em 2011. Estes retalhistas, entre os quais marcas como a Emporio Armani, Dolce&Gabbana, Loewe, Burberry, Tods’s, Louis Vuitton, Carolina Herrera e Hugo Boss escolheram a Avenida da Liberdade pela visibilidade e prestígio que a zona oferece", avança o documento.

Do 11 ao 70 e os custos de contexto

Não é só no cliente-tipo que há realidades paralelas que não se intercepcionam. Apesar de ter sido, recentemente, ultrapassada pela zona do Chiado, a avenida que demorou três anos a erguer (1879-82) tem um preço "premium" do metro quadrado a rondar os 70 euros/mês. Feitas as contas, em média, espaços como a Louis Vuitton e a Prada (com 700 m2) podem pagar mensalmente cerca de 50 mil euros.

Na loja de Fernando Oliveira a realidade é outra. Os 27 m2 valem 320 euros, ou seja sete vezes menos do que o preço/m2 pago uns passos acima pelas marcas de primeira linha mundial. "Mas isso não se pode comparar. Essas lojas estão em prédios novos, e não tiveram de fazer melhorias, como nós no comércio tradicional", enfatiza.

Segundo o Negócios apurou, há muitos consultórios/escritórios de profissionais liberais a fazer valer as rendas antigas e a pagar 80 euros por espaços comerciais.

Já nos novos quiosques, o aluguer situa-se entre os 1.000 e os 2.000 euros, sendo que o tempo de exposição ao sol é um factor valorizador na cobrança.

Já muito se falou dos custos de contexto, que também atingem este comércio tradicional. Na Nikita, Alzira Lima não contém a revolta contra o autarca António Costa, que na sua óptica se comporta como se fosse "mayor". "O preço do estacionamento é igual a Nova Iorque, mas estamos em Lisboa", exagera. Fernando Oliveira não entende como é numa loja de recordações que só tem uma arca frigorifica gasta 300 euros de electricidade por mês. "Por que é que o pequeno comércio paga a luz como o ‘grande’?", questiona, defendendo uma tarifa especial para o "pequeno" comércio.

Quiosques sim, indigentes não

O novo capítulo da história da Avenida da Liberdade faz-se das malas francesas e sapatos italianos, mas também de quiosques portugueses. Objectivo anunciado: dar maior vivência à zona central da artéria. Meta alcançada nas palavras do gerente do Banana Café, Ivo Vicente, de 26 anos. "Os comentários são de que era isto que a avenida precisava", sublinha Vicente, acrescentando que a maior afluência de pessoas levou muitos sem-abrigo que ali pernoitavam, a procurar outros locais.

Mudanças sociológicas à parte, o empresário diz que no negócio tudo corre de feição. Um exemplo de que o sucesso também se escreve em português e pelas mãos de jovens empreendedores.

Ver comentários
Publicidade
C•Studio