O professor do coração, como gosta de ser chamado, admite que as universidades ainda estejam "um bocadinho fechadas" nas suas torres de marfim e lembra, citando Einstein, que" o saber é muito importante mas mais importante é compreender".
Acha que as pessoas, de uma forma geral, têm seguido a sua máxima de que a saúde é demasiado importante para deixar só aos médicos?
Tenho a certeza de que sim. O grande sucesso da nossa campanha contra a hipertensão foi no dia 7 de Abril de 1972. Dia Mundial da Saúde, em que a OMS escolheu a hipertensão e pela primeira vez tive coragem de ir para a rua falar com as pessoas porque antes os próprios médicos achavam que era um gaiato que vinha da América com americanices e queria só protagonismo. Havia outra máxima do Paul White [cardiologista pioneiro e um dos professores de Pádua nos EUA], é que as universidades não se podem fechar nas suas torres de marfim. As pessoas querem saber. Lembro-me nessa altura - reconheço que grande parte do sucesso da minha campanha pública contra a hipertensão se deveu à Maria de Lurdes Modesto, que entrou num curso de seis lições na televisão. Soubemos que houve pessoas que chegaram a comprar transformadores para puderem ver o programa na taberna da vila. A Lurdes Modesto tem metade do êxito, se não mais, no que foi a luta contra a hipertensão. Eu falava na hipertensão e nos cuidados a ter e ela depois ensinava a cozinhar. E, citando Einstein, o saber é muito importante mas mais importante é compreender.
As universidades já estão a fazer esse papel ou ainda estão nas torres de marfim?
Ainda estão um bocadinho fechadas. Mas como são independentes, há umas que avançam mais do que outras.
"É possível ganhar a guerra [do açúcar] mas não estamos no bom caminho na obesidade."
A esperança média de vida tem aumentado nas últimas décadas, mas estaremos mais saudáveis do que no tempo em que começou a exercer?
Nitidamente, formidavelmente mais saudáveis. O que acontece que é começámos a ser saudáveis há poucos anos. A mortalidade por doenças cardio-cérebro-vasculares é neste momento menos 70% do que era. A baixa da mortalidade na década de 70/80 foi tão grande que colegas meus lhe deram o nome no Hospital de Santa Maria de "década gloriosa".
Mas há vários estudos que dizem, por exemplo, que as crianças não têm uma alimentação saudável.
Está a tocar num problema. Por isso digo que é preciso cuidar dos sub-20, se querem chegar aos 120 anos vivos, alegres e saudáveis. O Ministério da Educação já introduziu o tema dos estilos de vida saudáveis, mas não basta só tirar o sal e medir a tensão. É preciso fazer exercício físico, parar de fumar, reduzir o sal e o açúcar. No outro dia, o ministro da Saúde disse: "O prof. Pádua ganhou a batalha do sal, eu vou ganhar a batalha do açúcar."
Ganhou mesmo?
Já se reduziu bastante o consumo de sal, mas ainda não está ganha.
E a guerra contra o açúcar?
O ministro é que deve responder. Nós ajudamos. Mas é possível ser ganha. No entanto, a coisa que mais impressão me faz é ver tanta gente gorda nas praias.
"Já aumentei a fasquia. Em vez de esperar até aos 120 anos vamos para os 142."
Em relação à obesidade, não estamos a evoluir no bom sentido.
Não, não estamos. Porque o não comer açúcar é uma coisa, outra coisa é comer vegetais e ter uma dieta mediterrânica. É preciso reduzir as calorias e aumentar o exercício. A obesidade é um factor de risco muito importante para várias doenças crónicas e não é só para a diabetes. Como não dói, as pessoas pensam que é só um problema de silhueta, mas é uma doença grave.
Como vê este movimento antivacinação?
Em grande parte é uma idiotice. Pode haver alguma vacina que tivesse dado algo de errado, como aconteceu no passado, mas a necessidade de dar vacina é inquestionável. O nosso grande sucesso na diminuição da mortalidade infantil foi de facto a vacinação a seguir ao 25 de Abril. n
O professor do coração
Fernando Manuel Archer Moreira Paraíso de Pádua nasceu em Faro em 1927. Foi o melhor aluno do liceu e licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa - onde também foi o melhor aluno do seu curso - e graduou-se em Cardiologia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Aos 39 anos, já era o mais novo professor catedrático do país. Actualmente, é professor catedrático jubilado e presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, onde ainda dá consultas, e da fundação com o seu nome. Grande parte dos seus últimos 60 anos foram dedicados ao estudo, ao ensino, ao exercício da cardiologia e à defesa da cardiologia preventiva.
"O agradecimento das pessoas é o mais importante"
Está quase a fazer 92 anos. Olhando para trás, de que é que mais se orgulha?
Encontrar pessoas na rua que me agradecem: "Ai sôtor desde que falou no tabaco o meu marido parou de fumar e está tão melhor". O agradecimento das pessoas é o mais importante.
E há alguma coisa de que se arrependa?
Ter parado 20 anos porque sentia a crítica acesa dos meus colegas. Talvez pudesse ter sido mais inteligente e ter começado mais cedo a falar [sobre a medicina preventiva] com os colegas.
Houve algum sonho que tenha ficado por realizar ou que ainda tencione concretizar?
O meu sonho tem sido desde sempre haver um canal saúde. A transmissão pela televisão tem muita força. O ministro da Saúde já me disse: "Esteja descansado que vai ter o seu canal de saúde." Ando a lutar por isso desde os anos 70.
Já disse que tenciona viver até aos 120 anos. Até quando tenciona trabalhar?
Trabalho todos os dias.
Chegou a dizer numa entrevista que agora até trabalha mais do que quando se "reformou" aos 70 anos.
Exacto. Agora tenho aqui o horário o dia inteiro quando antes tinha só até às quatro da tarde. E depois tinha o consultório. Mas cheguei a trabalhar até às três da manhã no consultório.
Será possível que a esperança média de vida possa vir a subir pelo menos para os 120 anos?
Outro dia a revista Time tinha conselhos sobre medicinas comportamentais. Na primeira página estava um miúdo que eles diziam que, com o conhecimento que há neste momento, já se pode pôr como tabela este bebé pode viver até aos 142 anos. Pelo que já aumentei a fasquia. Em vez de esperar até aos 120 vamos para os 142 [risos].
Acha mesmo queum dia será possível?
Há um caminho em que não estou directamente ligado. O professor Sobrinho Simões, o nosso melhor patologista, mundialmente reconhecido, tem uma esperança enorme na genética e que, mexendo nos cromossomas, se possa prevenir a doença ainda antes mesmo do nascimento. Outro dia numa conferência ele dizia: "Eu só falo até ao nascimento, depois é com o prof. Pádua." Ou seja, está a contribuir também para que o tal bebé possa viver até aos 142 anos.
Como é que gostava de ser reconhecido nos livros de História?
Como o professor do coração.
Alguma vez teve o coração partido?
No curso de Medicina, tive um amor e quando cortei com ela, porque achei que ela gostava mais de outro, sei que sofri o suficiente para ter o único 16 no meu curso. Tudo o resto foram 17, 18, 19 e 20.
Há cura para os corações partidos?
Arranjar outro. [risos]