João Carlos Barradas 12 de Fevereiro de 2014 às 00:01

As duas Chinas

O presidente de Taiwan continua a confrontar-se com grandes dificuldades para implementar o acordo assinado em Junho de 2013 com a República Popular para facilitação de investimentos no sector de serviços.

 

Pequim e Taipé prosseguem na senda da normalização de relações em contraste com a crescente animosidade entre a República Popular da China e os seus vizinhos do Norte e Sudeste da Ásia.

PUB

As disputas com o Japão e as Filipinas degeneraram em acintosas acusações depois do chefe do governo japonês, Shinzo Abe, ter comparado em Davos as relações entre Tóquio e Pequim ao confronto entre o Reino Unido e a Alemanha antes do eclodir da I Guerra Mundial, enquanto em Manila o presidente Benigno Aquino equiparava as reivindicações chinesas ao expansionismo nazi.

Taiwan, cultivando a ficção de uma China una e indivisível, faz suas as reivindicações de Pequim no Mar do Sul da China (envolvendo ilhas reclamadas também pelo Brunei, Malásia e Vietname) e quanto a Diaoyu/Senkaku, no Mar da China Oriental, ainda que em Abril do ano passado tenha chegado a acordo com Tóquio para que a sua frota possa pescar nas águas controladas pelo Japão.

A ficção unitária

PUB

A legitimidade soberana que reclama o governo da República da China, em nome da continuidade de um regime fundado em 1911 e herdeiro da governação de Chang Kai Shek derrotado por Mao Zedong e confinado à ilha desde 1949, redunda na paradoxal situação de Taipé alinhar ao lado de Pequim nas disputas em que Washington, que cultiva a neutralidade nestes diferendos fronteiriços, é o garante militar da segurança regional frente à República Popular da China.

As duas Chinas após terem reconhecido em 1992 o "status quo" da existência real de dois regimes e governos, mas aceitando por consenso a existência de uma única China una e indivisível, aceleraram os ritmo das trocas comerciais, investimentos e circulação de pessoas, apesar de estarem ainda longe de iniciarem sequer a discussão de um tratado de paz.

O encontro em Nanjing na terça-feira entre o responsável de Taiwan do "Ministério para os Assuntos do Continente", Wang Yu Chi, e o vice-ministro dos negócios estrangeiros de Pequim e presidente do "Comité para os Assuntos de Taiwan", Zhang Zhijun, primeira reunião oficial entre os dois governos, evitou formalmente a abordagem de questões políticas.

PUB

A negociação política entre os dois lados do estreito da Formosa processa-se por via de concessões diplomáticas – caso da luz verde de Pequim este Verão a um acordo comercial entre Taiwan e a Nova Zelândia semelhante ao anteriormente assinado entre Wellington e a Região Administrativa Especial de Hong Kong – e no apoio que a República Popular vem dando a Ma Ying Jeou.

A teia económica

O presidente de Taiwan continua a confrontar-se com grandes dificuldades para implementar o acordo assinado em Junho de 2013 com a República Popular para facilitação de investimentos no sector de serviços, incluindo a área de construção, que prevê a criação de empresas com controlo por parte do investidor externo da totalidade ou maioria do capital.

PUB

A oposição do "Partido Democrático Progressista" e rivais de Ma no partido governamental "Guomindang", como Wang Jin Ping, presidente do parlamento de Taipé, criticam o acordo com Pequim apesar das empresas de Taiwan serem as imediatas beneficiárias deste compromisso.

Além do sector de serviços as facilidades e garantias para investimento deverão posteriormente ser alargadas aos sectores agrícola e industrial, na sequência de um acordo de 2010 para enquadramento da cooperação económica e eliminação de barreiras tarifárias e alfandegárias, mas largos sectores em Taiwan temem que a prazo as empresas da República Popular venham a ter um peso desmesurado na economia da ilha.

A República Popular, incluindo Hong Kong, é o maior principal destino do investimento (8,86 mil milhões de dólares em 2013) e das exportações de Taiwan e a segunda fonte de importações a seguir ao Japão, tendo os investimentos directos do continente na ilha vindo a crescer desde 2008 ainda que não tenham sequer chegado aos 400 milhões de dólares.

PUB

A democratização de Taiwan iniciada por Lee Teng Hui em 1988 levou à presidência em 2000 Chen Shui Bian do "Partido Democrático Progressista" e os nacionalistas só em 2008 recuperaram o poder.

O presidente Ma optou desde então por uma política de apaziguamento, evitando igualmente o confronto com Pequim em organizações internacionais e a compita pela diplomacia do cheque para preservar o escasso número de estados que ainda mantêm relações com Taiwan (duas dezenas além do Vaticano) depois da expulsão da ONU em 1971, e apostou decididamente na integração económica.

Os extensos vínculos económicos e financeiros entre os dois lados do Estreito da Formosa são para largos círculos conservadores e liberais em Taipé garantia de que Pequim não tentará a absorção pela força na ausência de veleidades independentistas em Taiwan.

PUB

Outras sectores consideram que uma crescente integração económica com maior presença de empresas do continente em Taiwan acabará por levar a ilha a uma situação de submissão em que os seus 23 milhões de habitantes poderão ter de aceitar um destino semelhante ao de Hong Kong e Macau.

Caso Ma, um dos presidentes mais impopulares na fase democrática de Taiwan, consiga terminar o seu mandato em 2016 é de esperar que Pequim continue a apoiar a sua política de conciliação para evitar nova investida de políticos independentistas.

Jornalista

PUB

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

Pub
Pub
Pub