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João Carlos Barradas - Jornalista
20 de Março de 2018 às 20:58

O cancro, os adubos e os interesses 

A limitação da presença em fertilizantes de cádmio, metal cancerígeno, divide os estados da União Europeia numa demonstração da perversão da política de interesses em detrimento da saúde pública.

O Parlamento Europeu aprovou em Outubro de 2017 um projecto da Comissão limitando o teor de cádmio a 60 miligramas por quilo (mg/kg) de adubo fosfatado, com o objectivo de redução para 40 mg/kg passados três anos de forma a baixar a presença deste metal pesado até aos 20 mg/kg em doze anos.

Poluição industrial, na metalurgia de não-ferrosos (alumínio, zinco, etc.), por exemplo, tabagismo e ingestão de produtos agrícolas oriundos de solos tratados com fertilizantes fosfatados são as principais formas de exposição ao cádmio com efeito tóxico sobre rins, esqueleto, aparelho respiratório e sistema endócrino.

O limite semanal de ingestão de 2,8 milionésimos de grama de cádmio por quilo foi, de resto, estabelecido pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos em 2009, seguindo orientações definidas pela Organização Mundial de Saúde.

Espanha, Polónia, Reino Unido, opõem-se, no entanto, no Conselho Europeu à introdução de normas quanto ao teor em cádmio de adubos fostatados, França ainda não definiu posição e demais estados, incluindo Portugal, são favoráveis à redução da presença deste metal pesado em todos os tipos de matérias fertilizantes e à sua substituição parcial por adubos orgânicos.

O mercado de fertilizantes da UE movimenta 25 mil milhões de euros, Marrocos é o principal fornecedor dos seis milhões de toneladas de fosfatos importados anualmente, a Polónia, um dos maiores produtores europeus, sendo a concentração de cádmio em cerca de 70% dos seus adubos fosfatados superior a 60 mg/kg, e, só por aqui, surge matéria de discórdia que bloqueia uma resolução por parte do Conselho Europeu.

As maiores reservas de rocha de fosfato, recurso não renovável, encontram-se em Marrocos (50 mil milhões de toneladas), China (3 mil milhões), Síria e Argélia (2 mil milhões), seguindo-se, na ordem dos mil milhões, Egipto, Jordânia, África do Sul, Rússia, Austrália e Estados Unidos.

As rochas sedimentadas do Magrebe apresentam alta concentração de cádmio o que se traduz numa média de 90 mg/kg nas exportações tunisinas e a teores que vão do 29,5 mg/kg a 72,7 mg/kg nas vendas de Marrocos não sendo viável a curto prazo atingir os valores defendidos pela Comissão e Parlamento europeus através do recurso a tecnologias de descadmização não poluentes.

O prejuízo imediato económico e social para os fornecedores do Magrebe tem, portanto, de ser compensado por outras vias e a alternativa para adquirir fosfatos com baixo teor de cádmio passa por países com reservas de rochas ígneas (consolidadas por resfriamento de magma derretido).

Depósitos deste tipo representam no máximo 20% da actual extracção de fosfatos para fertilizantes e concentram-se num estado da UE, a Finlândia, além da Rússia, Canadá, África do Sul, Brasil e Zimbabué, havendo, ainda, possibilidade de exploração comercial no Uganda, Malawi e Sri Lanka. A geografia é, também, aqui problemática.

O investimento em tecnologias de redução do teor de cádmio em adubos fosfatados, por outro lado, coloca em posição dominante grandes empresas com efeito inflacionário sobre os preços e possibilitando a formação de cartéis.

Em 2010, a Comissão aplicou uma multa de 175 milhões de euros a 13 empresas que formaram um cartel para dividir mercado e acordar preços de fosfatos para alimentação de animais entre 1969 e 2004.

Na ausência de acordo, outros estados poderão seguir a via da Hungria ou da Finlândia e imporem no seu território limites inferiores a 20% à presença de cádmio em fertilizantes agrícolas.

O pressuposto de que a salvaguarda da saúde pública deve guiar qualquer acto de governação já conheceu melhores dias e resta esperar que aos decisores o cancro lhes seja leve.  

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