Estrabismo
A discussão atual sobre o desempenho - no que respeita a emprego e produção - e, paralelamente, sobre os pedidos de prolongamento das moratórias revela a baralhação em que vivemos.
A FRASE...
"Tomar decisões fora do quadro da EBA será muito perigoso."
João Leão, Público, 27 de Abril de 2021
A ANÁLISE...
A economia portuguesa oferece-nos paradoxos permanentes, com números e resultados que contrariam argumentações e discursos políticos e, ao mesmo tempo, que parecem sustentá-los. A discussão atual sobre o desempenho - no que respeita a emprego e produção - e, paralelamente, sobre os pedidos de prolongamento das moratórias revela a baralhação em que vivemos. Muito possivelmente, uma dualidade estrábica que permite leituras variadas consoante os interesses - isto é, o ponto que vista que importa defender - sem entrar verdadeiramente numa análise rigorosa e cuidada da realidade.
O estrabismo permite que leituras políticas com sentidos muito diversos, sem que reparemos nas inconsistências do discurso. No caso, não contrariando o argumento de que o prolongamento das moratórias seria contrário às orientações da EBA, arriscando-se a produzir problemas sérios nos balanços bancários, parece-me que este é um não tema. Tomando como bons os sinais que nos são apresentados quanto ao nível do desemprego e os apoios que o Governo jura continuar a estender às empresas e às famílias, "enquanto a atividade estiver afetada pela pandemia (...), custe o que custar", para que é que precisamos de moratórias?
Num contexto em que os que podem pagam - porque não querem ficar com cadastro na central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal e fechar esta janela de acesso - e os que não podem têm sempre a possibilidade de recorrer aos apoios públicos, porque é que o assunto das moratórias tem ocupado tanto do discurso político, desde o Governo à oposição, passando pelo setor bancário?
Mas, sendo este um não problema significa isto que está tudo bem? Vai a economia portuguesa - que até apresenta uma taxa de desemprego abaixo da média europeia, e conta com a promessa de que as famílias em dificuldades "merecem toda a atenção" - ser capaz de iniciar uma trajetória de crescimento robusta do produto e do rendimento, tirando os rendimentos do trabalho da cauda da Europa, para depois podermos discutir a tributação extraordinária dos altos rendimentos?
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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