Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O ex-ministro e antigo líder do PSD fala sobre o “trambolhão” das bolsas, o congresso do PSD e o acordo na Alemanha para a formação de governo.
O TRAMBOLHÃO DAS BOLSAS
- Tivemos esta semana um pequeno susto com as Bolsas. Houve uma queda brutal nas Bolsas americanas, que contaminaram a seguir as Bolsas asiáticas e europeias.
- Muito boa gente pensou: vem aí nova crise! Eu diria que não. Para já, aparentemente, são os investidores preocupados com a eventual subida das taxas de juro.
- Mas, no futuro, é inevitável. A crise voltará, só não sabemos quando. Isto é cíclico.
- E a grande questão que se nos coloca é: estamos a fazer tudo o que é possível para estarmos preparados para enfrentar um futuro de dificuldades? E a minha resposta é: NÃO. Três exemplos:
a) Precisávamos de estar a crescer acima de 3%, mais do que a média da Zona Euro. Em 2018 e 2019 vamos divergir. Não vamos convergir. Temos mais de 20 países da UE a crescer mais do que nós. Se não convergimos em tempo de vacas gordas, quando vamos convergir?
b) Precisávamos de diminuir mais rapidamente a nossa dívida pública. E não estamos a fazê-lo. Este é o nosso grande calcanhar de Aquiles.
c) Precisamos de investir mais na competitividade do país. A prova aí está, divulgada pelo INE – apesar da grande subida das exportações em 2017, pelo segundo ano consecutivo, as importações cresceram ainda mais, agravando, pois, o défice da balança comercial de mercadorias.
ATENÇÃO AO INTERIOR DO PAÍS?
- Três factos desta semana:
a) PM a anunciar no Inverno a estratégia para combater os fogos do Verão.
b) Governo a ir de encontro às exigências da Peugeot/Citröen de MaNgualde.
c) Altice a investir em fibra óptica em vários municípios da Serra da Estrela.
- O que é que estes três factos têm de comum entre si? Uma preocupação com o investimento no interior do país.
- É muito positivo que António Costa, pela primeira vez, faça da prevenção dos incêndios uma questão estratégica.
- É muito positivo que o Governo não faça ouvidos de mercador às exigências da Peugeot/Citröen de Mangualde, mesmo quando as exigências soam a chantagem.
- É muito positivo que a Altice – tão criticada habitualmente – se empenha numa nova estratégia de investimento no interior.
- Por que é que isto sucede?
a) Primeiro: porque os incêndios de 2017 foram um choque e mostraram que não podemos continuar a viver como dois países divorciados um do outro;
b) Segundo: a obsessão saudável do Presidente da República em prol do interior está a começar a dar resultados. Todos querem corresponder ao "sobressalto cívico" que o Chefe do Estado introduziu em Portugal;
c) Terceiro: Parece que alguma coisa está mesmo a mudar. A prova é que dentro de algumas semanas ou meses, o país pode vir a surpreender-se de novo com as medidas que Miguel Cadilhe está a preparar com vista a propor um conjunto articulado de incentivos ao desenvolvimento do interior de Portugal (um choque fiscal).
MUDAR AS LEIS LABORAIS?
- Nesta que é a polémica do momento, há três posições em confronto:
- Os sectores mais à direita, acompanhados de Bruxelas, querem ainda mais liberalização das leis laborais;
- O PCP e o BE, ao contrário, querem voltar ao tempo pré-troika;
- O Governo quer mudar, mas pouco.
- Pessoalmente, acho que a legislação laboral não é uma prioridade.
a) As leis laborais estão a impedir o combate ao desemprego? Não, porque o desemprego continua a cair. Já está em 8,1%.
b) As leis laborais estão a fomentar emprego precário? Não. Segundo o INE, 78% do empego criado nos últimos dois anos é emprego com vínculo permanente.
c) As leis laborais geram emprego mal pago? Não. Segundo o INE, nos últimos dois anos, os salários abaixo de 600€ baixaram; os salários entre os 600 e os 900€ e acima dos 1800€ aumentaram.
- Em boa verdade, as prioridades neste momento deviam ser outras:
a) Primeiro: investir nas qualificações – precisamos de emprego qualificado.
b) Segundo: fomentar o investimento – temos de crescer mais.
c) Terceiro: apoiar a recapitalização das empresas – o programa Capitalizar continua no papel.
- Em conclusão:
- Há uma agenda política que insiste nas leis laborais. É a do PCP e do BE.
- E há uma agenda nacional que reclama outras prioridades.
- A haver mudanças, a posição do Governo é a mais equilibrada: mexer apenas no banco de horas individual e no incentivo aos contratos permanentes.
JUSTIÇA ESTÁ A CONTROLAR A POLÍTICA?
- Nos últimos tempos, com vários casos de justiça (inquérito a Centeno, operação Marquês e caso LEX), instalou-se nalguns sectores a ideia da "judicialização da política" – ou seja, a ideia de que a justiça está a querer controlar a política ou, ainda pior, a ideia de que a justiça está a substituir-se à oposição.
- Acho esta ideia um completo disparate.
a) Primeiro: a justiça pode ter muitas falhas (como se viu no caso Centeno e nas fugas ao segredo de justiça). Mas está a cumprir o seu papel. E, no essencial, está a cumpri-lo bem, investigando o que houver a investigar.
b) Segundo: a ideia de que ajustiça se substitui à oposição é uma fantasia. Claro que a oposição não tem existido. Este vazio pode dar mais visibilidade à acção da justiça. Mas a justiça não está a preencher esse vazio. A justiça não está a ser politicamente orientada.
c) Terceiro: a justiça está mais activa porque esse é um sinal dos tempos.
- Intervém em mais casos, porque a lei alargou o seu campo de intervenção.
- Intervém de forma mais constante porque andou durante anos demasiado adormecida.
- Intervém de forma mais visível porque os alvos de investigação são mais mediáticos.
d) Quarto: o mesmo se diga do futebol. A justiça não está a meter-se no futebol. Está, e bem, a investigar o futebol. Veja-se o caso do Benfica.
- O Benfica queixa-se de ser perseguido pela justiça. É um disparate tão grande quanto o disparate de Sócrates acusar a justiça de o perseguir.
- O Benfica passa maus bocados, em termos de imagem e credibilidade, por culpa própria e não por culpa da justiça. Ninguém sabe se tem alguma culpa no cartório. O que se sabe é que se pôs a jeito.
O CONGRESSO DO PSD
- Vamos ter dois congressos dentro do Congresso:
- Na abertura e no encerramento vamos ter o Congresso de Rui Rio. É o momento mais importante – o momento dos seus discursos.
- No sábado teremos os discursos dos futuros pretendentes à liderança. Mais do que fazerem oposição a Rio, vão marcar-se uns aos outros.
- Quanto ao novo líder, há que distinguir: dificuldades, vantagens e desafios.
a) Dificuldades – São sobretudo três:
- Primeiro, as condições políticas muito adversas. António Costa está em alta e dificilmente vai cair do pedestal.
- Segundo, as críticas vindas da direita. Rui Rio vai ser provavelmente o líder do PSD mais atacado pela direita. Por um lado, porque é um líder mais ao centro; depois, porque os saudosistas de Passos Coelho na imprensa não vão facilitar-lhe a vida.
- Finalmente, pode ser vítima de si próprio: Rio não tem um grande poder de iniciativa; e a relação com a comunicação social e a justiça são pontos críticos da sua actuação.
b) Vantagens – São igualmente três:
- Primeiro: o efeito novidade. Não tem nada a ver com o passado do PSD. Nem o passado da troika nem o passado do diabo.
- Segundo: os consensos de regime. Há 12 anos que não há Pactos de Regime. Com Rio haverá. E isso, sendo bom para o país, é muito importante para o líder da oposição: dá-lhe credibilidade.
- Terceiro: o efeito Cavaco. Rio tem algumas semelhanças com Cavaco dos anos 90: na autoridade e num certo discurso populista. E até as críticas que lhe fazem são semelhantes à que então faziam a Cavaco: a ideia de algum provincianismo. Só que os tempos são outros: se souber corrigir-se em relação às críticas e potenciar as outras características, pode ter vantagem.
c) Desafios:
- Tem de arrancar em força – O PSD está paralisado há demasiado tempo. Tem de ter dois discursos fortes e um calendário de iniciativas marcantes para o futuro.
- Tem de fazer clarificações estratégicas – Um exemplo é a votação do próximo OE. Faz algum sentido que, tendo votado contra 3 orçamentos da geringonça, o PSD admita viabilizar o último? Não faz sentido e Rio deve clarificar desde já.
- Tem de ter causas e prioridades – Tem de ter um discurso político novo em matéria de economia; tem de ter um discurso político novo no domínio social; tem de definir quais os acordos de regime que quer negociar e não esperar ir a reboque de Costa.
A DESPEDIDA DE PASSOS COELHO
- Numa liderança longa – quase 8 anos – há três sinais marcantes:
a) Foi um mau líder da oposição – é verdade;
b) Mas foi um bom Primeiro-Ministro e fez história – tirou o país da bancarrota;
c) E fez agora, no final, uma transição impecável. Vai ser, seguramente, homenageado como deve ser no Congresso.
- O que vai ou não ser Passos Coelho, politicamente falando, no futuro?
a) Pode voltar a ser PM;
b) Pode ser candidato presidencial.
c) Depende de duas coisas:
- Da sua vontade. Admito que, se pudesse escolher e tivesse condições, gostava de voltar a ser PM. É um executivo, por excelência.
- E depende das circunstâncias. Há 10 anos, quando foi para Bruxelas, dizia-se que Durão Barroso regressaria para ser Presidente da República. 10 anos depois, a profecia não se concretizou.
O GOVERNO ALEMÃO
- A Alemanha vai ter, finalmente, um novo governo de Bloco Central. A chamada Grande Coligação – CDU/SPD.
- Há GANHOS e SEQUELAS a assinalar:
a) Ganhou Merkel – Porque evitou um governo minoritário ou novas eleições;
b) Ganhou o SPD – Perdeu nas urnas, mas ganhou o mesmo número de ministros que a CDU, ganhou o poderoso Ministério das Finanças e ganhou tempo para se recompor eleitoralmente;
c) Ganhou o Presidente francês – Este governo é, de todos os que se imaginavam, o que mais se aproxima das ideias de Macron para a reforma da Zona Euro.
d) Ganhou a Europa e Portugal – Para o projecto europeu e para os países do sul o novo governo alemão é um bom aliado.
- Mas há várias sequelas:
a) Merkel sai fragilizada – Não teve grande resultado eleitoral e andou sempre a reboque dos acontecimentos. Será provavelmente a sua última experiência governativa;
b) Schultz sai de rastos – Há um ano era um prestigiado Presidente do Parlamento Europeu. Um ano depois, nem Presidente do PE, nem líder do SPD, nem ministro.
- Listas transnacionais chumbadas no PE
a) Boa notícia para Portugal. Só favorecia os países grandes.
b) Todos os partidos portugueses contra – só o PS se dividiu (a favor lá fora, dividido cá dentro).
c) Grande oposição do PPE – o que ajudou Portugal.
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