[410.] Meo
A PT pôs no ar o mais longo anúncio de que tenho memória: 30 minutos e 57 segundos.
Complementado com uma enorme campanha multimédia, o anúncio "Fora da Box", para promoção da plataforma de serviços Meo, assinala a capacidade de propaganda de uma grande empresa num pequeno mercado.
O reclame é uma narrativa ficcional centrada na contratação de um grupo de criativos, interpretado pelo quarteto de humoristas Gato Fedorento, por um empresário do sector, interpretado por Rui Unas. Os quatro têm-se na conta dos mais geniais do mundo. Tratam as pessoas da agência abaixo de cão, sugerem uns anúncios parvos para no final apresentarem o "melhor anúncio da Europa", o qual na própria ficção não chega a ser mostrado às personagens da agência. Depreende-se que o melhor anúncio da Europa é o próprio filme publicitário de 30m57 ao Meo. Os publicitários ficcionais são parvos, mas os verdadeiros autores do filme têm-se em boa conta.
Durante anos, o modelo preferido de humor do Gato Fedorento foi a autodepreciação, uma forma de êxito no humor, pela qual se diminui tudo o que se diz e faz. Em Fora da Box, os Fedorento operam o processo inverso: exageram na fanfarronice até ao absurdo, daí resultando a situação humorística e as graças. Deve haver gente assim no meio publicitário, para levar os autores do argumento a basearem este anúncio de meia hora nos convencidos mais convencidos do mundo. O quarteto representado pelos Fedorento parodia com eficácia esses vaidosos para além da realidade que deixam marcas em muitas profissões e empresas, nomeadamente entre os publicitários.
O anúncio passa facilmente as inúmeras mensagens publicitárias acerca do Meo (fibra, interactividade, alta definição, etc). Está bem estruturado narrativamente, com personagens bem definidas, está bem realizado, produzido e interpretado, tendo graça, embora não seja hilariante.
O argumento tem diversas camadas de ironia. Apesar das qualidades do Meo, o genial quarteto ficcional não consegue fazer um bom anúncio; o bom anúncio (o próprio filme) é feito por os quatro serem maus publicitários (ficcionais) mas humoristas experientes (na realidade); o filme é um anúncio, o anúncio é um filme; os irritantes publicitários e os que trabalham na agência ficcional não conseguem fazer um anúncio, mas os publicitários autores de "Fora da Box" sim; pensar "fora da caixa" é pensar fora do óbvio, sendo isso que os publicitários tentaram com uma publicidade fora do vulgar, usando box no duplo sentido de caixa e set top box, pois esta publicidade à set top box do Meo foi realmente pensada fora da caixa.
Acessível no Facebook e no youtube, a difusão do filme escapa aos costumeiros canais publicitários nos media tradicionais. Para estes, entretanto, reservou-se uma fortíssima promoção de "Fora da Box", ou seja, uma campanha publicitária promovendo o anúncio publicitário de meia hora.
Até agora, a publicidade tem recorrido ao "product placement", colocando referências publicitárias em programas de televisão e em filmes. O Meo fez o contrário: colocou um filme dentro de um anúncio. "Fora da Box" apresenta-se como uma história, um dos processos preferidos pelo marketing actual para convencer os consumidores, sendo um anúncio contando a história humorística de um anúncio. Este "film placement", com a mercantilização dos Gato Fedorento e da arte cinematográfica, representa um novo passo na confusão entre a criatividade artística e a promoção empresarial de bens e serviços. Quando o texto passa da narrativa não-publicitária à promoção das qualidades do Meo, lá se vai a suspensão da incredulidade na narrativa - e lá se vai a piada. À conta dessa confusão, o anúncio "Fora da Box" perde bastante da graça que era suposto ter. Quando quer ser narrativa, torna-se anúncio e quando quer ser anúncio tem de atender à narrativa. Acaba por não ser memorável nem como filme nem como anúncio.
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