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Michael Boskin - Economista
20 de Abril de 2011 às 11:56

A síndrome da Califórnia

Há muito que a Califórnia é uma precursora das tendências nacionais e mundiais (das mais estupendas às mais excessivas), um berço de inovação generalizada, desde a tecnologia até ao entretenimento, passando pelos estilos de vida.

As mais importantes empresas de tecnologias do mundo continuam a nascer na Califórnia - e a terem aí as suas sedes, como é o caso da Apple, Intel, Cisco, Oracle, Google e Facebook, só para enunciar algumas das que estão implantadas na zona onde vivo e onde dou aulas.

A Califórnia foi, no passado, uma fonte de melhoria dos padrões de vida para a maioria da sua população, bem como uma fonte de crescente mobilidade económica. O Estado tinha as melhores escolas públicas e as melhores universidades estatais do país. Os seus cidadãos eram menos estratificados, tanto a nível social como económico, do que em muitos outros Estados norte-americanos. Após a Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos migraram de forma constante para a Califórnia, uma terra de oportunidade, de enorme beleza natural e cujos terrenos agrícolas estavam entre os mais férteis do mundo.

No entanto, algo acabou por correr muito mal. E se conseguirmos compreender o porquê, seremos capazes de retirar lições úteis para todos os governos nacionais e sub-nacionais. A economia da Califórnia, que costumava ter um desempenho superior ao do resto do país, regista agora uma performance que está substancialmente abaixo dos restantes Estados norte-americanos. A taxa de desemprego, actualmente nos 12,4%, é mais elevada do que em todos os outros Estados, excepto no Nevada.

Nos últimos anos, o movimento de migração inverteu-se, com centenas de milhares de trabalhadores e respectivas famílias a saírem da Califórnia à procura de melhores oportunidades de trabalho noutros lugares. As escolas públicas californianas, desde os jardins de infância até ao liceu, obtêm uma classificação medíocre nos testes padronizados. O Estado é um epicentro do estoiro da bolha imobiliária e da crise das execuções hipotecárias.

Os presidentes executivos das empresas de Silicon Valley dizem que não irão alargar as suas actividades na Califórnia devido aos elevados impostos e à pesada regulação, o que faz com que o Estado deixe de ser competitivo. Com 12% da população norte-americana, a Califórnia conta com mais de 31% dos beneficiários de ajudas públicas em todo o país. Além disso, tem uma vasta e crescente população encarcerada e a despesa anual por cada detido equivale ao rendimento líquido de um agregado familiar de classe média.

Enquanto isso, o Estado navega por entre a tragédia orçamental e a farsa orçamental. O governador Jerry Brown (que também ocupou esse cargo na década de 70) recebeu de herança um défice orçamental no valor de 26 mil milhões de dólares. E isto sem contar com o futuro dilúvio das generosas pensões dos funcionários públicos e com os custos associados aos cuidados de saúde. No centro do problema da Califórnia está o seu desastroso sistema de tributação progressiva, que conta com algumas das taxas de impostos sobre o rendimento pessoal, sobre as vendas, sobre as empresas e sobre a gasolina mais elevadas do país. Só os impostos prediais é que estão abaixo da média dos Estados Unidos.

Perto de metade das receitas que a Califórnia obtém do seu imposto sobre os rendimentos provém de 1% dos contribuintes mais ricos daquele Estado. No entanto, a extrema progressividade do sistema faz com que as receitas sejam tão voláteis que o Estado continua a vivenciar ciclos de expansão e constracção, em que se observa um rápido aumento das receitas, para logo de seguida, inevitavelmente, se seguir uma forte diminuição. As receitas são todas gastas nos períodos de bonança, o que obriga a penalizadores cortes de emergência durante os períodos de contracção.

As tentativas de criação de um "fundo de reserva para imprevistos" fracassou redondamente. A economia política do orçamento da Califórnia levou a experiência dos impostos e dos gastos progressivos até ao limite, ameaçando assim a capacidade de o Estado financiar serviços básicos, desde prisões a parques, passando pela educação e pelos cuidados de saúde, e até mesmo aqueles que se destinam a ajudar os cidadãos mais vulneráveis.

O governo da Califórnia raramente consegue satisfazer a exigência de um orçamento equilibrado, que está consagrada na Constituição daquele Estado. Assim, acaba por pedir empréstimos "temporários", através de dívida de curto prazo; posteriormente, à medida que os pedidos de crédito se vão acumulando, o Estado é refinanciado com títulos de mais longo prazo.

A despesa é temporariamente reduzida e os impostos são aumentados, mas o défice estrutural de longo prazo mantém-se, sendo este um padrão que se repete em muitas capitais estaduais - sendo esta a principal razão para a actual agitação política em torno dos orçamentos e dos sindicatos do sector público.

Contudo, muitas outras dificuldades são auto-infligidas. A Califórnia apresenta actualmente um vasto conjunto de problemas que estão à espera de solução, desde os cortes de água a nível federal com vista a proteger um pequeno peixe, que dizimaram a agricultura e deixaram dezenas de milhares de pessoas desempregadas, até às severas restrições em termos de repartição dos terrenos, o que faz subir os preços das casas.

Os imigrantes ilegais asseguram uma importante parte do exigente trabalho físico e não qualificado da economia californiana. Atendendo a que não existe um programa concreto de "trabalhador-convidado" [guest-worker program - programa de atribuição de licenças de trabalho a estrangeiros], estes mantêm-se na clandestinidade e, juntamente com os seus filhos, abarrotam os serviços públicos. (Numa escola em Los Angeles, um professor reportou 70 crianças que chegavam e iam embora durante o ano lectivo, numa turma de 25 alunos, e nalguns distritos escolares fala-se mais de uma dúzia de línguas). A extensa regulamentação energética e ambiental do Estado - onde se inclui a minuciosa supervisão das emissões de dióxido de carbono -, de par com a globalização, acabaram com grande parte das actividades industriais da Califórnia e afastaram muitos dos seus trabalhadores de classe média.

Entre os Estados norte-americanos, a Califórnia continua a dominar o "ranking" nas tecnologias, agricultura e entretenimento. Mas também está ocupa lugares cimeiros em matéria de défice, taxas tributárias, número de presos e, por uma larga margem, em percentagem da população que é beneficiária de subsídios. E posiciona-se no fim da tabela, ou próxima do fim, em termos de clima de negócios, de acessibilidade financeira para a compra de casa e "rating" das obrigações estaduais (que está até abaixo do "rating" do território norte-americano de Porto Rico). Trata-se de um quadro complexo, mas no seu centro está um sistema de impostos alto e de assistência social descontrolada.

Ninguém deveria descartar a Califórnia; este Estado ainda possui grandes forças. E poderá converter alguns dos seus problemas de curto prazo, como as pressões resultantes da diversidade étnica e linguística (o Estado conta actualmente com 37% de hispânicos e 13% de asiáticos), em forças de longo prazo para a economia global. Mas a sua classe política terá de fazer face a algumas realidades duras e enfrentar o facto de os californianos que não pagam impostos sobre o rendimento (que é quase metade da força de trabalho) terão de começar a pagar pelos serviços de que beneficiam - devendo esses mesmos serviços ter de seleccionar melhor os seus beneficiários.

Uma democracia saudável não pode ter metade da sua população a pagar impostos e a outra metade a recolher benefícios. Contar com o aumento permanente dos impostos para financiar as ajudas sociais prestadas a uma desmedida população é uma receita para se exportar prosperidade para outras regiões. É uma tendência da Califórnia, que outros imitam por conta e risco próprio.

Michael J. Boskin, ex-presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente norte-americano George H. W. Bush (entre 1989 e 1993), é actualmente professor de Economia na Universidade de Stanford e membro da Hoover Institution.

Para aceder ao "podcast" deste texto em inglês, deve utilizar o seguinte link:

http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/boskin14.mp3

© Project Syndicate, 2011.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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