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As duas virgens e a fatia dourada

Não consigo acompanhar a opereta As Duas Virgens (PT e Media Capital) sem ser dominado pelo sentimento de que a produção nos está a tomar por saloios. Nada condiz com os anúncios. Os cantores desafinam, o libreto é confuso, o cenário é um remendo. E o público, descontente, descarrega sobre os actores secundários.

Hoje é dia de mercado

Umas botas lá comprei

E depois de as ter calçado

Mesmo assim o pé piquei

(Cancioneiro Saloio)

1. Não consigo acompanhar a opereta As Duas Virgens (PT e Media Capital) sem ser dominado pelo sentimento de que a produção nos está a tomar por saloios. Nada condiz com os anúncios. Os cantores desafinam, o libreto é confuso, o cenário é um remendo. E o público, descontente, descarrega sobre os actores secundários.

Umas botas lá comprei

E depois de as ter calçado

Mesmo assim o pé piquei

Comecemos pela razão de ser do espectáculo. Deve ou não fazer parte da estratégia da Portugal Telecom a tomada de uma posição de controlo na indústria dos media televisivos, para assim poder reforçar a componente dos conteúdos na sua oferta de valor? A resposta não é óbvia, dada a imponderabilidade das sinergias operacionais e a tradicional falta de jeito das telcos na gestão de empresas que fazem da criatividade o seu negócio. Por isso, são raros os exemplos internacionais de casamento feliz entre as duas fileiras.

A questão que se segue é de mais fácil resposta: é ou não legítimo que a Portugal Telecom, ponderado o risco, tenha como propósito estratégico a aquisição de canais televisivos? Sim. E que a Media Capital seja o seu alvo eleito? Sim, igualmente. A Media Capital aspira por uma relação fiel e estável, que ainda não encontrou. A PT arde de desejo. A sua atracção pela TVI data, pelo menos, de 2001, quando a compra da posição de Paes do Amaral se gorou por uma pequena divergência de números (da qual, aliás, ambas as partes viriam a arrepender-se). Agora, que a Prisa estava vendedora, era o momento da conquista. Não se vislumbrava outra presa tão disponível.

Provavelmente, a política só complicou as intenções da PT. Não fora o registo noticioso da TVI e, em simultâneo, a aversão de José Sócrates para com o casal Moniz - cujo membro varão, surpreendentemente, saudou a putativa entrada da PT -, e a operação ter-se-ia consumado. As más-línguas vão mesmo ao ponto de afirmar que o estratagema da Prisa de transformar a TVI num canal anti-Governo, forçando a sua compra rápida, tinha tudo para dar certo. Em Espanha teria dado, sem espinhas.

Perante as inesperadas dificuldades de casting, a produção teve de recorrer aos préstimos de jovens cantores, treinados pelos indiscutíveis do palco. Umas quantas alterações no libreto e no cenário fariam o resto. Convida-se para o elenco a Ongoing, que não se faz rogada. Bem pelo contrário, dado que a sua estratégia é complementar à dos actores principais. Nunca escondeu a sua atracção pelo alto risco, possui abastadas fontes de financiamento - sobre as quais, de resto, ninguém pode lançar pedras, uma vez que não provêm dos bolsos dos contribuintes - e muita vontade de se afirmar como um actor de destaque na fileira dos media. Uma carreira a seguir de perto.

A racionalidade económica dos intervenientes no espectáculo não parece questionável, nem se descortinam razões octópodes ou birras de governantes que pudessem forçar estes actores a agir à revelia dos seus próprios interesses. Já a tramóia conspirativa, de opereta, envolvendo players de outros palcos, como a Sonae ou a Cofina, é um cenário risível - ninguém imagina que tais figuras se pudessem associar a produções alheias.

Com tantas peripécias, directas e indirectas, o resultado final não poderia ser feliz. A juventude em excesso, mesmo a eleita solidariamente com os grandes nomes da cena, revela-se por vezes demasiado impetuosa, tal é o desejo de corresponder às expectativas dos notáveis. Estes, experientes e cautelosos, alternam os bastidores com aparições fugazes, ora indulgentes, ora convenientemente desconhecedoras do libreto original.

2. É tempo de pôr fim à fatia dourada que o Estado detém na Portugal Telecom. Mesmo que nada mudasse ao nível da independência e da qualidade da gestão, eliminar-se-ia a suspeição visível quanto aos critérios de nomeação dos administradores e às motivações por detrás das decisões de índole estratégica. Restava a regulação como garante do cumprimento das obrigações de serviço universal e a Caixa Geral de Depósitos como accionista público. Não chega?

Luis Nazaré

Economista

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