pixel

Negócios: Cotações, Mercados, Economia, Empresas

Notícias em Destaque
João Carlos Barradas - Jornalista
01 de Setembro de 2010 às 11:48

Como negociar um fracasso

Esta semana começa em Washington um exercício interessante: como gerir negociações relevantes

Esta semana começa em Washington um exercício interessante: como gerir negociações relevantes, mas que se sabe estarem condenadas ao fracasso, sem fazer perigar um objectivo estratégico mais essencial e premente.

A administração Obama optou por retomar a mediação entre Israel e a Autoridade Palestiniana propondo negociações directas, sem pré-condições, para no prazo de um ano as partes chegarem a consenso sobre o estatuto de um estado palestiniano independente.

Um eventual acordo, deixando de lado a Faixa de Gaza e mais de um milhão de palestinianos sob controlo do Hamas desde 2007, cingir-se-ia a áreas da Cisjordânia tuteladas pela Autoridade Palestiniana de Mahmoud Abbas e implicaria a partilha de Jerusalém.

Derrapar e retomar caminho

A expectativa inicial é que as negociações derrapem já na segunda metade de Setembro quando Israel puser termo a uma moratória de dez meses na construção de colonatos na Cisjordânia, precisamente por altura da Assembleia Geral da ONU.

Um confronto militar entre Israel e o Hizballah libanês, envolvendo potencialmente a Síria, poderá, igualmente, obrigar à suspensão das negociações directas a qualquer momento e, para essa eventualidade, o cálculo estratégico do Irão é decisivo.

Os diferendos acerca de fronteiras, direito de retorno e indemnização de refugiados palestinianos, desmantelamento de colonatos judaicos, garantias de segurança e controlo de recursos de água são por si só mais do que suficientes para inviabilizarem um acordo de paz limitado à Cisjordânia.

A instabilidade da coligação governamental liderada por Benjamin Netanyahu condiciona as negociações que, no mínimo, deverão ter o mesmo destino da relutante mediação empreendida por George W. Bush no final de 2007.

Pôr a bola a rolar

Para a Casa Branca pôr a bola a rolar era o mínimo a fazer de forma a justificar o empenhamento de Barack Obama num processo negocial em que os Estados Unidos nada de novo têm para oferecer.

O esforço de mediação é alegadamente para prosseguir mesmo depois dos democratas perderem a maioria na Câmara de Representantes nas eleições de Novembro e do presidente começar a definir a estratégia para a campanha de reeleição em meados de 2011 em que não pode arriscar alienar o voto dos judeus norte-americanos.

Neste ponto surge a verdadeira questão que justifica o esforço de mediação da Casa Branca: mesmo sem nenhuma cartada negocial Obama tem de agitar a carruagem e fingir que anda por causa da questão nuclear iraniana.

Transmitir uma imagem de boa fé negocial é essencial aos Estados Unidos para congregarem apoios diplomáticos para sanções punitivas contra Teerão.

Depois, ante o previsível fracasso das sanções para conterem a marcha militar nuclear iraniana, sinais de boa-fé da diplomacia norte-americana quanto ao conflito israelo-palestiniano servem para alargar o leque de justificações do bloco de estados que apoiem um eventual ataque militar ao Irão.

A ameaça da bomba iraniana é o argumento da Casa Branca para obrigar Netanyahu a algumas cedências a Mahmoud Abbas ainda que isso implique uma nova coligação governamental israelita agregando o partido Kadima e descartando a extrema-direita, partidos religiosos, afora o risco de cisão do Likud.

Na prática, apesar da situação no Líbano e a sucessão de Hosni Mubarak no Egipto puderem influir negativamente no conflito israelo-palestiniano e levar a uma escalada do conflito, o impasse que nova ronda de negociações irá constatar acabará por gerar escassa comoção.

O essencial e o secundário

O Irão tornou-se o pivot dos conflitos no Médio Oriente e o confronto entre judeus e palestinianos uma questão secundária e intratável, cujos termos a demografia (aumento da população árabe e dos ultra-ortodoxos judeus em Israel) se encarregará de modificar de forma a tornar inviável o status quo.

Dar tempo ao tempo para que um problema intratável acabe por ser substituído por outra questão - com novos actores e diferentes interesses - que talvez se possa ou não ultrapassar foi política tradicional de muita diplomacia.

Presentemente, ainda que armas de destruição em massa tenham alterado os termos da questão, algo persiste desta lógica de impotência e equilíbrios diplomáticos entre grandes potências.

Se os Estados Unidos e a maioria dos estados árabes sunitas continuarem a considerar intolerável a nuclearização militar do Irão uma investida militar, preferencialmente sem participação directa israelita, é a única opção sobre a mesa para Washington.

O calendário aponta para uma decisão quanto a eventual ataque ao Irão na última fase da administração Obama em 2012 e o presidente pode jogar aqui a sua reeleição.

Com isto em fundo o truque para gerir a nova ronda negocial israelo-palestiniana passa por manter as expectativas o mais baixo possível.

O exemplo negativo de Bill Clinton em 2000 ao elevar a fasquia para acabar por falhar um acordo entre Ehud Barak e Yasser Arafat e ver-se confrontado com nova rebelião palestiniana, a segunda Intifada que fez guinar Israel à direita com Ariel Sharon, está presente nos cálculos da Casa Branca.

As bolsas como indicador

Tudo somado ninguém espera nada das conversações directas entre Israel e a Fatah.

Da forma mais realista e cínica possível o que interessa é saber como a administração Obama vai gerir os altos e baixos de um processo negocial.

Nem Mahmoud Abbas pesa por aí além, nem a Palestina importa de sobremaneira (basta ver o comportamento das bolsas face às sucessivas crises israelo-palestinianas comparado com o alarme dos investidores sempre que o Irão entra em liça) quando está em causa o alinhamento de forças no Médio Oriente.

Além do arsenal nuclear israelita, factor capaz de baralhar qualquer cálculo estratégico, é o Irão que está de facto em causa nas negociações que Barack Obama promove.

Teerão, tanto quanto a recuperação económica dos Estados Unidos, acabarão por definir o destino de Obama e, ao lançar-se na campanha pela reeleição, o presidente tem a cartada da guerra como opção.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira

barradas.joaocarlos@gmail.com

Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira

Ver comentários
Ver mais
Publicidade
C•Studio