As tecnológicas devem ter uma regulação mais apertada?
O Facebook enfrenta uma pressão política compreensível para mudar as suas práticas, mas o que realmente precisa é de novos concorrentes que provem que podem ser lucrativos enquanto colocam a privacidade em primeiro lugar.
No rescaldo dos recentes escândalos envolvendo tecnológicas, como o acidente que envolveu um carro autónomo da Uber e o suposto uso indevido dos dados pessoais de utilizadores do Facebook, a regulação mais apertada da indústria - nos moldes do sector financeiro, por exemplo – passou a estar na ordem do dia. As acções das principais empresas de tecnologia estão em baixa – ou talvez a tornar-se apenas mais voláteis - à luz de tais preocupações.
Obviamente, regras relativas a veículos motorizados precisam de ser examinadas cuidadosamente. Nos Estados Unidos, esta é geralmente uma decisão que é tomada ao nível dos estados, embora o National Transportation Safety Board tenha uma reputação muito boa pelas suas investigações e mude frequentemente a forma como pensamos sobre as melhores práticas. O NTSB está a investigar o acidente da Uber e analisou anteriormente outro acidente envolvendo um veículo da Tesla.
Quanto ao Facebook, os relatos da imprensa sugerem que a empresa pode ter cometido alguns erros graves. Esperamos saber mais sobre os detalhes da sua tomada de decisão sobre privacidade de dados quando o seu presidente e CEO, Mark Zuckerberg, testemunhar perante o Congresso, como concordou em fazer.
Mas responder com regulação mais rígida ao nível federal parece prematuro, mesmo para essas actividades específicas – quanto mais para todo o sector da tecnologia.
As finanças são reguladas por causa dos potenciais efeitos de repercussão: os colapsos bancários podem deitar abaixo toda a economia. É por isso que redes de segurança, como a garantia de depósitos, foram colocadas em prática. Mas a existência de uma garantia de depósitos cria espaço para abuso, sob a forma de assunção de riscos excessivos, porque os executivos do banco saem a ganhar se as coisas correrem bem, e quaisquer perdas potenciais são impostas ao fundo de garantia. Evitar abusos e incentivar a cautela apropriada exige regras, e a US Federal Deposit Insurance Corporation é um dos melhores exemplos do mundo de como fazer isso funcionar.
O mundo da alta tecnologia - hardware, software e serviços digitais - é muito diferente. Há muita concorrência no hardware. Se uma empresa tiver problemas, não derrubará o sistema. É claro que alguns legisladores gostam de favorecer "campeões nacionais" face a concorrentes internacionais; mas isso levanta questões diferentes do comportamento regulador.
A Amazon é uma empresa poderosa e em ascensão que abrange várias actividades – incluindo agora mercearias e a entrega de alimentos frescos. Mas há muitos concorrentes nessa área, e as regras e regulamentações existentes (como as que cobrem a forma como os alimentos são manipulados) parecem suficientes.
Outras empresas digitais, como a Google e a Apple, são muito fortes em actividades específicas. Mas não exibem o tipo de comportamento de fixação de preços monopolista que leve a concorrência a tomar medidas. E não é claro que outro tipo de regulamentação fosse útil para os clientes.
A União Europeia está a considerar mais regulamentação das firmas digitais, e insiste que um maior cuidado com a utilização de dados pode fazer sentido. Mas a UE também ficou para trás na ronda de empreendedorismo digital que começou na década de 1990, e geralmente não está na vanguarda desse sector.
Para evitar mal-entendidos, tenho de ser claro: nem tudo está a correr bem no que respeita à política do governo dos EUA nessa área. Em particular, a iminente revogação da regra de "neutralidade da rede" pela Comissão Federal de Comunicações (FCC) parece ser um grande passo para favorecer os grandes executivos e evitar que as start-ups digitais prosperem rapidamente. Andy Lippman, do MIT Media Lab, tem uma excelente explicação em vídeo sobre essa questão, que devia ser vista pelos legisladores (e eleitores).
Actualmente, o Facebook parece um caso especial, no sentido de que os efeitos de rede significam que milhões de pessoas permanecerão com esse serviço, independentemente de como são tratadas. E pode ter havido algum mal-entendido ou falha de comunicação sobre como os seus dados pessoais seriam tratados. O Facebook enfrenta uma pressão política compreensível para mudar as suas práticas, mas o que realmente precisa é de novos concorrentes que provem que podem ser lucrativos enquanto colocam a privacidade em primeiro lugar.
As criptomoedas reflectem uma crescente sobreposição entre finanças e tecnologia. Não seria uma surpresa se a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA determinasse que uma grande parte da recente actividade de levantamento de fundos (conhecida como Initial Coin Offerings) neste sector equivale à emissão de títulos, o que accionaria a aplicação de várias regras e requisitos. Mas tal decisão não equivaleria a nova regulamentação - apenas à aplicação dos regulamentos existentes. Os princípios aplicados pelos reguladores de valores mobiliários desde a década de 1930 permanecem sensatos: proteger os investidores e exigir divulgação suficiente de todos os riscos envolvidos num investimento.
O mesmo acontece com os carros autónomos. Houve 40.000 mortes na estrada em 2016 nos EUA e mais de um milhão em todo o mundo, de acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde. Como em todos os anos anteriores, o erro humano de vários tipos foi responsável pela maioria dessas mortes. Reduzir as mortes nas estradas é uma meta importante, e o crescente envolvimento das empresas de tecnologia (e a concorrência com as fabricantes) deve ser bem-vindo, tendo em vista a melhoria da segurança nas estradas. Também aqui os princípios regulatórios existentes e as agências que os aplicam devem ter a oportunidade de dar provas.
Simon Johnson é professor na Sloan School of Management do MIT e co-autor da obra White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You.
Copyright: Project Syndicate, 2018.www.project-syndicate.orgTradução: Rita Faria
Mais lidas