O boom imobiliário não é assunto só em Portugal
A discussão em Portugal sobre a revolução no mercado imobiliário tende a ser paroquial. O tema não é (só) português: é global porque as razões da revolução são globais.
Há três meses, o Parlamento da Islândia debateu um relatório oficial que concluía serem precisos mais 17 mil apartamentos novos no país para corresponder à procura e travar os preços. Na Holanda, onde o número de casas acima de um milhão de euros bateu um novo recorde no ano passado, há promotores a desenvolverem conceitos de microapartamentos - entre 29 e 32 metros quadrados - para responderem à escassez e aos preços no mercado. No Canadá, onde os compradores estrangeiros (chineses) inundaram o mercado, já se escreve abertamente sobre o rebentar da bolha.
A discussão em Portugal sobre a revolução que aconteceu no mercado imobiliário nos últimos três anos tende a ser paroquial. Mas o tema da habitação não é (só) português. No boletim Económico da Primavera, publicado ontem, a Comissão Europeia nota que o aumento médio de 4,4% no seu índice de preços das casas na União Europeia foi o maior ritmo da última década - esta média esconde grandes variações nas maiores cidades por toda a Europa, de Berlim (a mais "aquecida") a Lisboa, passando por Budapeste ou Dublin. A transformação súbita no imobiliário nem é sequer apenas uma questão europeia - os efeitos e os factores explicativos são globais.
O primeiro, e principal, é a política monetária extraordinária que os maiores bancos centrais adoptaram para tirarem as economias da crise. Juros anormalmente baixos são um incentivo muito forte para, do pequeno investidor nacional à grande corporação estrangeira, se procurarem alternativas de investimento à banca e outros produtos. As casas são um candidato preferencial. Um relatório das Nações Unidas, publicado no ano passado, referia a "financeirização" da habitação como "uma mudança estrutural no imobiliário e nos mercados financeiros", em que "a casa é tratada como um meio de acumulação de riqueza e como activo subjacente a activos vendidos nos mercados globais", estando "cada vez mais ligada aos fluxos globais de capital". Vemos isso lá fora e aqui: os estrangeiros valem quase um terço do investimento em casas nas freguesias do centro histórico de Lisboa, segundo um estudo da Confidencial Imobiliário citado no Expresso. Se considerarmos o investimento em imobiliário comercial, que também é espaço ocupado nas cidades, vemos que este peso é ainda maior.
Mas há mais factores. A recuperação da economia, a global e a portuguesa, leva não só a um aumento da procura por habitação e à vontade da banca em financiar essa procura, mas também dos gastos em viagens. O turismo cresceu em 2017 ao ritmo mais forte em sete anos. Este aumento dos turistas apareceu em cima de outra transformação estrutural: as plataformas tecnológicas de alojamento local, como o Airbnb ou o Booking. Tudo se liga. O investimento em casas para trabalhar nestas plataformas aproveita o boom turístico e é, em parte, uma resposta à política de juros baixos.
O problema não é desta ou daquela freguesia. É global. E a tentação política para impor medidas proibitivas no curto prazo - como requisições de casas ou mexidas precipitadas nas leis das rendas - parece não entender a força dos incentivos, arriscando ser contraproducente. No imediato, e enquanto este ciclo de juros nulos não terminar, talvez seja mais inteligente ir pelo realismo no arrendamento fixo (contratos de 10 anos ninguém faz), retirar incentivos aos estrangeiros (vistos gold e borlas fiscais a reformados) e fiscalizar os alojamentos locais não registados (quantos não saem do mercado se tiverem de pagar imposto?). No fundo, trata-se de combater incentivos… com incentivos. Em economia costuma funcionar melhor do que decretar simplesmente o fecho de portas e janelas.
Jornalista da revista Sábado
Mais lidas