O efeito "fake news"
O efeito principal das notícias falsas, as chamadas "fake news", parafraseando Jean Baudrillard, o pensador francês falecido em 2007, é convencer-nos de que o resto é real. A sua falsidade estabelece o resto das notícias e das histórias, que não as "fake news", como reais. Se é falso que Obama não nasceu nos EUA, que o Papa apoiou Trump, ou os ataques a mulheres por refugiados na Alemanha na noite de passagem de ano, então os programas televisivos de comentários, os posts nos blogues e nos sites dos media tradicionais, os vídeos virais do Youtube, as muitas centenas de milhões de espectadores dos jogos de futebol em directo, as horas sem fim passadas no Facebook, as Kardashians, tudo isso é a real realidade.
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A realidade nunca existiu como tal, sempre foi o seu significado. E esse significado hoje é essencialmente poroso e duvidoso. A realidade é informacional e num mundo de informação a primeira vítima é a própria informação. A realidade é hoje uma imensa zona cinzenta, entre as horas cadenciadas dos relógios e as "fake news", que só no final do percurso, e por vezes nem aí, ganham inteiramente a sua não veracidade.
No futebol europeu de alta competição, um dos conteúdos mediáticos mais marcantes da sociedade da informação, os debates televisivos, os vídeos e os comentários nas redes sociais têm muitas vezes mais audiência do que a transmissão em directo do próprio evento. O mesmo se pode dizer de vários eventos políticos, comunicados ao país, reuniões, conferências de imprensa, etc., que têm audiências menores do que os programas mediáticos que se seguem para os comentar. O ambiente mediático digital substituiu virtual, metafórica e simbolicamente, isto é, substitui de facto a realidade assente no alfabeto, nos livros e nos modelos industriais.
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Vivemos numa realidade informacional e comunicacional, num deserto do real, para continuar com Baudrillard, inspirador da trilogia cinematográfica "Matrix". Vivemos num mundo onde as imagens da internet, dos telemóveis e da televisão, onde as SMS e os e-mails são para nós mais reais do que a realidade física não mediada. Como na história do escritor argentino Jorge Luís Borges, vivemos num mapa com uma escala 1/1, que cobre todo o território. Fomos passando para cima do mapa à medida que ele se ia desdobrando. E hoje, quando aqui e ali, o mapa se rasga, estranhamos e espreitamos. E o que vemos? Um deserto do real.
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Professor na Universidade Católica Portuguesa
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