Duas notas
O impacto em Portugal e França de um evento ocorrido na rede espanhola não decorre do mix energético, nem da posição de exportação-importação em cada momento. Decorre sim, em primeiro lugar, de as redes estarem interligadas.
A primeira e a mais importante nota é sobre a morte do Papa Francisco. Passado cerca de uma semana da notícia escrevo com a desvantagem de muito já ter sido dito, mas faço-o - repetindo palavras próprias que empreguei no dia - movido pelo imperativo de deixar aqui, impressa, nota pessoal sobre uma das personalidades mais marcantes do nosso tempo.
O Papa Francisco é a referência moral e política indispensável para todos os que aspiram a um mundo mais justo, inclusivo, solidário e em paz.
É-o para milhões de crentes, para agnósticos (como eu) ou ateus.
É-o porque faz da justiça, da inclusão e da solidariedade os valores centrais a defender e promover no mundo, num tempo em que os valores opostos e as suas intoleráveis decorrências concretas, ganham força todos os dias em todo o lado.
É-o porque dá voz às vítimas dos excesso do capitalismo, aos pobres e vulneráveis, sejam da América Latina ou dos países mais prósperos do mundo, e porque se indigna perante a indiferença generalizada com a justiça social.
É-o porque dá voz aos mais frágeis e vulneráveis, como aos imigrantes que tantas vezes perdem a vida no Mediterrâneo e porque condena as políticas de exclusão e desumanização da administração americana ou de países europeus.
É-o porque dá voz ao planeta e à ameaça das alterações climáticas, que põem em causa o futuro da biliões de seres humanos e porque mobiliza para uma ação mais firme, rápida e decidida.
É-o porque defende a paz em Gaza, na Ucrânia e em tantos lugares, onde a guerra mata centenas de milhar de inocentes.
E é-o, tanto mais, porque procurou que a Igreja desse o exemplo, e se aproximasse do mundo que integra.
Porque promoveu uma Igreja de inclusão - para Todos, Todos, Todos - em especial daqueles a quem a Igreja havia julgado menos dignos da sua casa, dos homossexuais, aos divorciados ou mães solteiras.
Porque agiu com coragem na exposição dos crimes sexuais perpetrados por clérigos.
Porque colocou os pobres e vulneráveis no centro do seu pensamento e ação.
O Papa Francisco já não está fisicamente entre nós.
Fica connosco um poderosíssimo legado que não se apagará nem esquecerá.
Encíclicas como Frattelli Tutti (sobre fraternidade, inclusão e justiça) ou Laudato Si sobre a Terra, nossa casa comum. Centenas de exemplos, de gestos ou palavras, de coragem e de ação sobre todos os temas que importam. Uma postura de simplicidade, empatia, proximidade e amor pelo outro a que o seu sorriso franco e aberto tão bem iluminava.
Agora que se inicia o Conclave que vai escolher o novo Papa, que Francisco possa perdurar ainda mais através da nova escolha.
A segunda nota da semana é, naturalmente, sobre o apagão elétrico total que atingiu Espanha, Portugal e parte do sudoeste da França. Nesta época de campanha eleitoral é normal que oposição e governo esgrimam entre si os méritos e deméritos da resposta do executivo. Pelo menos em matéria de comunicação todos os erros foram cometidos: comunicação feita fora de tempo, feita por vários protagonistas e com mensagens descoordenadas ou absurdas (a afirmação pública por um ministro que se podia tratar de um ciberataque sem ter qualquer evidência disso é inadmissível).
Numa outra dimensão, o apagão fez reaparecer as vozes de oposição às energias renováveis, como se estas fossem as responsáveis da situação e como se, sem estas, a situação não tivesse acontecido. Vai aqui obviamente um aproveitamento político que precisa ser cabalmente desmascarado.
O impacto em Portugal e França de um evento ocorrido na rede espanhola não decorre do mix energético, nem da posição de exportação-importação em cada momento. Decorre sim, em primeiro lugar, de as redes estarem interligadas. Ora é essa mesma interligação que assegura preços mais baratos de energia aos vários países, o melhor retorno dos investimentos públicos e privados realizados e também, na larguíssima maioria do tempo, a maior resiliência do sistema elétrico nacional.
Quem defende a autarcia permanente do país em termos elétricos, deverá, com honestidade, apresentar às famílias e às empresas as contas dessa opção, e preparar-se para justificar cabalmente a valia dos brutais aumentos de preços e os riscos acrescidos pelo facto de um sistema em autarcia (tipo ilha) ser mais instável e difícil de gerir.
Por último, é evidente que o apagão convoca todas as autoridades para uma análise e reflexão urgente e rigorosa sobre as medidas necessárias para evitar que a situação se repita. A gravidade do sucedido não pode ser minorada ou desvalorizada. É positiva a decisão de criação de uma comissão independente para identificação das causas e das respostas, que estarão tanto no domínio da aceleração da capacitação da rede elétrica à realidade prospetiva da produção e consumo, como nos investimentos que assegurem o reforço da autonomia do país na recuperação muito mais rápida de eventos extremos que possam ocorrer.
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