O futuro da universidade: o que significa aprender a pensar na era da IA?
A inteligência artificial (IA) é capaz de resolver problemas, escrever ensaios e propor ideias com uma eficiência que desafia o próprio propósito da educação. Ela pode fazer o trabalho por nós e impedir-nos de pensar, ou pode ajudar-nos a pensar melhor.
Durante séculos, a universidade foi o espaço por excelência onde se aprendia a pensar. Hoje, pela primeira vez, enfrenta um concorrente que também pensa — e mais depressa. A inteligência artificial (IA) é capaz de resolver problemas, escrever ensaios e propor ideias com uma eficiência que desafia o próprio propósito da educação. Ela pode fazer o trabalho por nós e impedir-nos de pensar, ou pode ajudar-nos a pensar melhor. O futuro do ensino dependerá de qual destas duas vias escolhermos.
O que estão as universidades a fazer para prepararem os seus alunos para esta nova realidade?
A Ohio State University (OSU), nos EUA, decidiu que todos os seus estudantes terão formação obrigatória em IA, para garantir que são fluentes na tecnologia antes de se formarem. Segundo o provost da OSU, Ravi Bellamkonda, “não se trata apenas de usar IA, mas de formar cidadãos preparados para um mundo moldado por ela.”
Mais a sul, a Georgia State University, em Atlanta, utiliza a IA também como ferramenta de inclusão. Criou o chatbot Pounce, que orienta os estudantes sobre informações de prazos, bolsas, inscrições e até questões de saúde mental. Desde a sua implementação, a taxa de desistência caiu de forma significativa e Pounce tornou-se um símbolo de tecnologia que humaniza a burocracia universitária e promove o sucesso académico.
De forma semelhante, a Northeastern University, em Boston, tornou-se pioneira ao adotar o modelo Claude for Higher Education, desenvolvido pela empresa Anthropic. Com este sistema, mais de 49 mil alunos e docentes têm acesso a ferramentas de IA num ambiente protegido e controlado. A Northeastern criou também um AI Working Group para definir políticas éticas e pedagógicas que orientem o uso da IA.
Já a Universidade de Harvard lançou o Digital Data Design Institute at Harvard (D3) que reúne uma série de ações relevantes no domínio da IA e da tecnologia digital. A Nova SBE lançou, em parceria com o D3 at Harvard, um instituto irmão em Carcavelos.
Na Universidade de Tsinghua, em Pequim, os novos estudantes recebem, juntamente com a carta de admissão, o código de acesso a um agente de IA. Esse "bot" responde a perguntas sobre programas, clubes e vida académica, ajudando na integração no campus. Na Tsinghua, a IA faz parte de uma estratégia nacional. A universidade desenvolveu um sistema de três camadas: uma base de modelos de linguagem (como ChatGPT, DeepSeek e Alibaba Cloud), motores de conhecimento com informação verificada e interfaces dedicadas aos estudantes. Assim, um aluno pode clicar em “Tenho dúvidas” e obter, de imediato, uma explicação personalizada.
Na Universidade de Sydney, na Austrália, a estratégia é de prudência: os exames são realizados presencialmente e sob supervisão, para garantir que os alunos continuam a desenvolver pensamento próprio, mesmo num tempo em que as máquinas parecem capazes de tudo.
E, em Abu Dhabi, foi criada a Mohamed bin Zayed University of Artificial Intelligence, a primeira universidade de pós-graduação do mundo dedicada exclusivamente à IA, um projeto que simboliza uma abordagem educativa centrada na tecnologia desde a sua génese.
Alguns destes casos foram relatados na revista Nature (outubro de 2025, “Will AI make students smarter, or stop them from thinking at all?”), onde se discute como a revolução da IA está a transformar a vida universitária em várias partes do mundo, e se questiona: a IA vai ajudar-nos a aprender melhor ou vai levar-nos a pensar menos?
Aprender a pensar na era das máquinas: entre a promessa e o perigo
Por um lado, a integração da IA nas universidades abre portas a uma aprendizagem mais personalizada, interativa e adaptável. Por outro, nem tudo são vantagens. O organismo regulador australiano, Tertiary Education Quality and Standards Agency (TEQSA), solicitou a todas as instituições de ensino superior um plano de ação institucional para lidar com os riscos da IA generativa no ensino (2024), uma iniciativa inédita a nível mundial.
Um estudo do MIT Media Lab da autoria de Nataliya Kosmyna et al. mostra que estudantes que usaram IA para escrever textos apresentaram menor atividade cerebral e menor retenção de conhecimento. Muitos descrevem uma “falsa sensação de aprendizagem”, acreditam ter compreendido o conteúdo, mas o saber dissipa-se rapidamente. A tentação de delegar o raciocínio à máquina é grande e perigosa. Em vez de desenvolver competências cognitivas, alguns alunos limitam-se a consumir respostas. É o equivalente académico do fast food intelectual, rápido, agradável, mas pobre em valor nutritivo.
A influência das grandes empresas tecnológicas agrava o dilema. OpenAI, Google e Anthropic competem para se tornar parceiras “oficiais” das universidades, oferecendo serviços “gratuitos” em troca de dados e visibilidade. Como alerta a investigadora Olivia Guest, citada na reportagem, “não são empresas com as quais as universidades devam entrar em parceria de forma acrítica”.
O maior desafio da universidade contemporânea é redefinir o que significa aprender. Se as máquinas dominam a memorização e a escrita automática, cabe às universidades reforçar o que é exclusivamente humano, o julgamento ético, a capacidade crítica, a empatia e a criatividade.
Alguns especialistas têm apontado alguns caminhos para que a IA se torne uma aliada da aprendizagem e não um atalho que empobrece o pensamento: 1. Urge capacitar os professores para integrar estas ferramentas de forma crítica e criativa, substituindo o medo pela competência; 2. Urge definir códigos de conduta claros sobre o uso da IA, garantindo privacidade, integridade académica e equidade no acesso. 3. É essencial combinar provas presenciais com tarefas mediadas por IA, ensinando os estudantes a usar a tecnologia para expandir, e não reduzir, o raciocínio.
E Portugal?
Em Portugal, o debate ainda é tímido. As instituições de ensino superior parecem observar à distância esta revolução, limitando-se a reagir a casos pontuais em vez de delinear políticas estratégicas. Há projetos isolados de inovação digital, mas nenhuma visão coordenada sobre como a IA pode, ou deve, transformar o ensino, a investigação e a relação entre professores, estudantes e instituições.
Pouco se discute sobre ética, privacidade, literacia digital ou impacto cognitivo destas ferramentas. Não se conhece nenhum pensamento ou reflexão política sobre como formar cidadãos críticos num país que ainda não percebeu o desafio civilizacional que enfrenta. Neste vazio de estratégia, as universidades portuguesas tenderam a importar modelos estrangeiros sem os adaptar à sua missão cultural e social, tornando-se seguidoras e não líderes desta nova era académica.
Mais do que adaptar-se a um novo tempo, a universidade deve liderar a cultura da inteligência crítica, porque o verdadeiro progresso, mesmo na era da inteligência artificial, continuará a depender da nossa capacidade de pensar por conta própria.
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