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O “corte salarial”

O princípio geral é o da proibição da redução da retribuição, mesmo que o trabalhador o consinta, e radica na preocupação fundadora do Direito do Trabalho como um subsistema de normas para conferir especial proteção ao trabalhador.

Em momentos de crise económica, é com alguma frequência que são anunciados na comunicação social supostos "cortes salariais" em curso ou em vias de concretização. A expressão, que é da linguagem comum e não jurídica, presta-se a equívocos. E o primeiro e mais comum é o de que pode induzir a perceção de que a redução de retribuição, sem mais, é permitida legalmente, no âmbito de um contrato de trabalho. A verdade é que só o é em situações excecionais, nos casos em que a própria lei ou convenção coletiva de trabalho o prevê.

O princípio geral é mesmo o da proibição da redução da retribuição, mesmo que o trabalhador o acorde ou nela consinta. E radica na preocupação original e fundadora do Direito do Trabalho como subsistema de normas destinadas a conferir especial proteção ao trabalhador, parte mais fraca na relação laboral e por definição particularmente vulnerável a pressões do empregador. Mas então em que situações é que a lei permite a redução da retribuição?

Desde logo, deve entender-se como pacífica a hipótese em que o trabalhador acorda na diminuição do seu tempo de trabalho, sofrendo uma redução proporcional na retribuição, ou mesmo na suspensão total da sua prestação de trabalho sem perda de retribuição (como sucede com uma licença sem vencimento) ou mantendo uma parte da sua retribuição (como se verifica, por exemplo, nas situações de pré-reforma).

Também se admite uma diminuição de retribuição que resulte da mudança do trabalhador para categoria inferior, desde que com o acordo deste e a mesma seja autorizada pela Autoridade das Condições do Trabalho. Fora destas situações de redução acordada com o trabalhador, o empregador pode ainda impor um "corte" na retribuição em relação a parcelas retributivas ou subsídios que sejam atribuídos como direta contrapartida de modos específicos da execução do trabalho que deixem de se verificar, tais como a isenção de horário de trabalho ou o trabalho por turnos.

O mesmo se diga em matéria de remunerações variáveis que estejam dependentes da obtenção de objetivos quantitativos ou qualitativos previamente fixados. Mas, mesmo nestas situações, importará distinguir os casos em que o recebimento de tais remunerações tenha sido garantido ao trabalhador, designadamente aquando da sua vinculação à empresa, daquelas em que o não foi, pois só na segunda hipótese será permitido, cessadas que sejam as condições que as justificaram, deixar de as pagar.

Outra faculdade que a lei confere ao empregador é a de, em situações de crise empresarial, recorrer ao chamado lay-off, desse modo podendo também impor ao trabalhador a redução ou suspensão da sua prestação de trabalho e a amputação de uma parte da sua retribuição fixa regular. Escusado será dizer que há situações de fraude e abuso do empregador no recurso a estes mecanismos legais de redução da retribuição. Infelizmente, entre o que a lei prevê e o que a prática de empresas menos escrupulosas vai ditando há ainda um abismo de ilegalidades por suprir que, também ele, concorre para a ideia errada de que o "corte salarial" é uma solução de que as empresas podem dispor sem o devido enquadramento.

O diagnóstico desses vícios legais há muito está feito e bem sabemos o que continua a faltar acima de tudo: o (tantas vezes apregoado, mas não concretizado) incremento das capacidades inspetivas e punitivas das autoridades fiscalizadoras, bem como, é preciso dizê-lo também, uma classe empresarial mais qualificada, conhecedora da lei e com vontade de a fazer cumprir.

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