A bolsa dos empresários
Há cerca de dois meses atrás almocei com um empresário, accionista maioritário de um grupo de empresas com um volume de negócios já bem expressivo.
O propósito do almoço era o de me convidar para realizar um trabalho de consultoria, no quadro da transformação do grupo numa SGPS com participadas visando dentro de alguns anos a admissão à cotação em bolsa, pelo que pretendia a minha contribuição para moldar uma imagem de gestão mais profissional e de acordo com práticas de governo empresarial adequadas aos objectivos de cotação em bolsa.
O almoço apesar de longo e muito cordial, foi inconclusivo. Ele referiu-me o que tinha em mente, eu procurei falar-lhe de algumas ideias para atingir os seus objectivos. Algumas notas, sem riscos de quebra de confidencialidade, sobre o almoço.
Segundo o empresário, três quartos do futuro Conselho de Administração estavam cativos: eram para a família próxima, metade com uma experiência profissional entre zero e quatro anos, enchendo certamente de orgulho as Escolas em que se formaram, não é todos os dias que se passa de recém-licenciado a administrador de um grupo empresarial, apesar de não terem pelouros, porque estavam ainda a aprender o negócio, e que continuariam a ser exercidos pelo empresário, como sempre foram no passado.
Falei-lhe da figura do Administrador independente e ele avanço-me logo duas sugestões: o técnico de contas, há mais de 25 anos nessa função e que se pretendia reformar e o advogado que o tinha sempre acompanhado, mesmo nas horas mais difíceis.
Referi-lhe que os resultados do grupo, apesar de muito razoáveis, tinham reduzida expressão contabilística, mitigados por um rol de despesas da natureza mais diversa, que nada tinham a ver com as actividades, mas importantes ou portadores de conforto para a família. O problema, procurei mostrar-lhe, era de que tal inexpressividade contabilística colocava sérios entraves à fundamentação do valor que o empresário considerava adequado para a prevista cotação em bolsa. Ele respondeu-me que um dos seus filhos, recém-licenciado em gestão e futuro administrador da SGPS, tinha tido uma reunião com um banco que lhe afiançara que esse valor seria fácil de conseguir.
Falámos também um pouco sobre política de dividendos, o que lhe causou viva estranheza, já que os lucros (contabilísticos) eram para investir no negócio, e com a sagacidade que ele sempre mostrara, era certamente o que os investidores mais quereriam. Para ilustrar, contou-me uma história de uma capital de risco de inspiração estatal, que detinha há vários anos uma participação numa das empresas do grupo e que anualmente apenas mostrara preocupação com três coisas: o pontual pagamento da comissão de acompanhamento, o pontual envio dos mapas de controlo, constituídos por uma dúzia de rácios e o pontual envio da ordem de trabalhos de cada reunião trimestral do Conselho de Administração e da Assembleia Geral anual.
Comentei ainda com ele um esboço que me havia enviado, uns dias antes do almoço, do relatório do Conselho de Administração da hipotética SGPS, elaborado por um outro filho já mais experiente, formado há três anos em gestão, e que tinha segredado ao pai que na futura SGPS gostaria de ficar com o pelouro do planeamento e controlo estratégico e que gostaria igualmente de acompanhar de perto o meu trabalho de consultoria. O relatório estava bem escrito, tinha uns indicadores bem apresentados, mas substantivamente não tinha nada. Questionando o empresário sobre esse deserto de informação, a resposta foi simples e esclarecedora: « não me julga suficientemente parvo para andar a ajudar a concorrência, pois não?»
Ficámos de combinar um segundo almoço, numa data próxima a combinar, a solução de cortesia, quando se pensa que não irá haver mais encontro algum, ficando eu um pouco mais esclarecido sobre uma parte do nosso mundo empresarial, ficando ele certamente convencido que os académicos vivem noutro mundo, e indo procurar algum consultor do mundo real.
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