Um outro olhar
Esta pequena fantasia fala do que Bolonha pode ser, mesmo na sua versão mais base, uma simples licenciatura de 3 anos em que se aprende menos coisas mas se fica a saber aprender, a transmitir, a descobrir o mundo.
Um director de uma agência de um banco dá os bons dias a um recém-licenciado em gestão que começa a trabalhar na sua agência. É o primeiro que lhe passa pelas mãos vindo do novo mundo de Bolonha, com uma licenciatura de apenas três anos.
O director, logo nesse primeiro dia de trabalho, faz questão de marcar as diferenças, exibindo orgulhosamente o seu diploma de 4, ou se for um pouco mais velho de 5 anos e, para acentuar o fosso de conhecimentos, logo resolve questionar o jovem com meia dúzia de conceitos que com prazer, um a um, vai registando que o nosso jovem não faz grande ideia do que ele está a falar.
Já não lhe diz que, tirando este momento raro, ele próprio jamais os utilizou no que faz, e a sensação só não é mais angustiante porque ele já só lembra daqueles seis , entre mais de 100 que sabia há uns anos atrás.
Nos meses seguintes, não deixa de reparar, na velocidade com que o jovem aprende a lidar com cada novo produto que o banco lança, nas poucas dúvidas que tem quando lê os novos manuais de instruções e com a clareza com que os consegue explicar aos clientes.
No final do ano, é com estupefacção que na reunião que tem com o jovem sobre avaliação e objectivos ouve várias sugestões para melhoria do seu desempenho, do funcionamento da agência e até do banco de um modo mais geral. A estupefacção é dupla: metade das sugestões têm inteiro sentido, apenas nunca lhes ocorreram e a outra metade, apesar de discutíveis, fizeram-no pensar em várias ideias, algumas das quais aperfeiçoou e, envergonhadamente, acabou por sugerir ao seu Director responsável, uns quantos dias mais tarde, quando também teve a sua reunião de avaliação e objectivos.
Um ano mais tarde é com um sorriso nos lábios que o jovem se despede de si. Resolveu aceitar um convite para ir trabalhar numa agência, mas de publicidade. Interrogou-se como era possível tal desperdício, afinal o jovem tinha trabalhado ali dois anos e se não quisesse continuar a trabalhar no banco, ao menos que fosse fazer alguma coisa na qual pudesse aproveitar os conhecimentos adquiridos. Mais surpreendente, ainda, era que a função na tal agência de publicidade parecia significar uma promoção e nada tinha a ver com a função financeira ou algo que se relacionasse, achava, com o que o jovem tinha aprendido no banco. Mas para que raio é que a agência iria contratar alguém nestas condições? Fez um juízo definitivo sobre a mediocridade do negócio da publicidade e voltou ao seu trabalho.
Cinco anos mais tarde o jovem, agora já menos jovem, entrou pelo seu balcão adentro. Reconheceram-se e cumprimentaram-se. O jovem queria fazer uma transferência de um outro banco de Amesterdão, cidade onde agora o jovem trabalhava. Ficou então saber que depois de três anos na agência de publicidade ele resolveu fazer um MBA, seis meses em Portugal e outros tantos em Roterdão, era um programa conjunto entre uma escola nacional e uma holandesa, e nesses últimos seis meses optou por uma especialização em marketing do sector automóvel, tendo no fim recebido um convite para ir dirigir os dois stands da Audi em Amesterdão. E logo da Audi, a sua marca preferida. Não lhe perguntou o salário, embora tivesse vontade de o fazer, nem tão pouco lhe perguntou o que é que ele, para além do pouco que certamente aprendera no curso de MBA, sabia sobre automóveis, embora achasse que seria certamente bem menos do que ele, que devorava mensalmente cinco publicações diferentes, nacionais e estrangeiras, sobre o tema.
Esta pequena fantasia fala do que Bolonha pode ser, mesmo na sua versão mais base, uma simples licenciatura de 3 anos em que se aprende menos coisas mas se fica a saber aprender, a transmitir, a descobrir o mundo.
Outra fantasia, bem menos colorida, pode também ser facilmente criada. Este é o desafio que fica para quem dirige, para quem ensina e para quem estuda.
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