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A causa das coisas

Com a devida vénia ao Miguel Esteves Cardoso, escolhi o título de um dos seus livros - que marcou uma geração - para escrever este artigo que visa desconstruir tudo aquilo que diariamente é dito sobre os movimentos dos mercados.

Com a devida vénia ao Miguel Esteves Cardoso, escolhi o título de um dos seus livros - que marcou uma geração - para escrever este artigo que visa desconstruir tudo aquilo que diariamente é dito sobre os movimentos dos mercados.

À maior parte dos movimentos diários nos mercados financeiros não é possível atribuir-se qualquer explicação. Esta constatação esbarra na necessidade que o ser humano tem para encontrar explicações para tudo. Chegar ao final de uma sessão de Bolsa e não saber porque subiu ou desceu o índice é, para a maior parte dos investidores, algo inadmissível. Mesmo que, na grande maioria das vezes, ninguém esteja em condições de saber o porquê dos movimentos.

A verdade é que, quando encerram as Bolsas, a Imprensa especializada (e aqui não excluo ninguém - rádios, Tv's, sites e jornais) rapidamente se apressa a enumerar quais os movimentos mais importantes do mercado e também a justificá-los.

Não censuro jornalistas e corretores que com eles colaboram pois estão envolvidos neste verdadeiro circo que é a Bolsa. Os jornalistas são pagos para escrever sobre o que sucedeu na sessão. Por isso, fazem aquilo que lhes é pedido e aquilo que o público deseja ler. Mas a realidade está bem longe de tudo isto.

Vou-vos contar uma história que se passou comigo há quase 10 anos, quase no início do Caldeiraodebolsa.com. Nessa altura, eu ainda negociava em Portugal e, ao analisar a Impresa, constatei que estava junto a um suporte que eu considerava importante e que, caso na sessão seguinte, a acção se aguentasse acima desse suporte eu entraria na acção na parte final da sessão. Assim foi. Estava a ser um dia muito monótono na Bolsa portuguesa, com a maior parte dos títulos praticamente sem oscilarem e, na última hora da sessão, começo a comprar uma quantidade apreciável de acções da Impresa, exercendo uma pressão compradora forte (num dia sem grande movimento) que fez a acção fechar a subir cerca de 3%.

No final da sessão, estava curioso para saber o que diria a Comunicação Social sobre aquela sessão. Frases como "A Impresa brilhou numa sessão morna" eram acompanhadas de explicações diferentes consoante o site ou rádio consultados: "A justificar a subida de hoje da Impresa está a perspectiva de melhorias nos investimentos de publicidade em Portugal" ou "A Impresa foi a estrela da sessão de hoje, com o mercado a reagir bem à estreia da sua nova novela" foram algumas das justificações apresentadas. A verdade é que ninguém acertou. Mas o público ficou todo contente porque achou que sabia qual a razão daquele movimento da Impresa.

Outro dos casos paradigmáticos nesta matéria tem que ver com o crude. Sempre que há uma variação forte no preço do crude, ela é usada para explicar os movimentos das Bolsas internacionais. Mesmo que seja em sentidos opostos… Por exemplo, se o crude sobe muito e as Bolsas caem, facilmente vemos a Comunicação Social a justificar a "queda das Bolsas com a subida forte do preço do crude que irá fazer aumentar os custos da produção e distribuição ao nível mundial". Mas, por outro lado, no mesmo cenário de subida forte do crude, quando as Bolsas sobem, rapidamente se lê nos sites especializados que "os mercados interpretaram a subida do preço do crude como um sinal de pujança económica e, por isso, as Bolsas subiram". Ou seja, o mesmo argumento é utilizado para justificar cenários opostos. Sintomático…

Mas há excepções. Que saudades dos tempos do Jornal Financeiro da TSF, liderado pela Dalila Carvalho, onde alguns dos analistas que comentavam eram Pierre Boule, Graça Proença de Carvalho ou Joaquim Reis que nunca -, mas nunca - se socorriam de explicações básicas e que, muitas vezes, não tinham quaisquer problemas em dizer que não tinha acontecido nada de especial para justificar aquela subida ou descida. "Porque é que a Sonae subiu? Por nenhuma razão especial." É preciso coragem para assumir isto. E não era por isso que deixavam de ser fantásticos profissionais muito conhecedores dos mercados.

Esta obsessão do porquê das coisas faz parte de nós. No dia-a-dia, nos mercados e até no amor. Mas temos de aceitar que não podemos perceber o porquê de tudo. E a busca por esses porquês faz-nos perder tempo e energias que são cruciais para percebermos para onde se move o mercado e que padrões estes movimentos antecipam.

Se hoje, no final da sessão, ler que a Bolsa subiu ou desceu por causa daqueles números macroeconómicos que foram divulgados, desconfie. Mas, sobretudo, reflicta em que é que aquela justificação encontrada "a posteriori" o ajuda a tornar-se um melhor investidor.

Deixe para os economistas e para os teóricos a ambição de quererem encontrar os porquês de tudo. Centre-se em algo em que eles não são especialistas - ganhar dinheiro em Bolsa.

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Nem Ulisses Pereira, nem os seus clientes, nem a DIF Brokers detêm posição sobre os activos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui

Analista Dif Brokers

ulisses.pereira@difbroker.com

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