O mundo é uma pirâmide
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem vindo a alertar para a necessidade de melhorar a literacia financeira.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem vindo a alertar para a necessidade de melhorar a literacia financeira. Devido à progressiva substituição dos sistemas de segurança social com regime contributivo e de benefício garantido por regimes de capitalização com contribuição definida, as famílias dependem cada vez mais de si próprias para assegurar o rendimento durante o período de reforma, importando que façam escolhas informadas de aplicação das suas poupanças. Assim, como sugere a OCDE, os particulares têm necessidade de adquirir conhecimentos sobre o funcionamento dos mercados financeiros e desmistificar alguns conceitos tradicionais.
É relativamente consensual que as famílias terão de constituir uma poupança entre 20% e 30% do seu rendimento presente para assegurar um padrão de consumo durante a reforma semelhante ao que desfrutam actualmente. Nos países europeus, parte da poupança é realizada através de contribuição social compulsiva. Enquanto nos EUA, a poupança para a reforma assenta em fundos de pensões privados, constituídos por particulares ou empresas, num regime de contribuição definida, na Europa, apesar de estarem em retrocesso, ainda dominam os regimes contributivos de benefício garantido.
Nos EUA, os trabalhadores, que agora se estão a reformar, vão receber os frutos da sua poupança acumulada, ao longo de anos, em fundos. Estes terão sido investidos em instrumentos financeiros ou imobiliário, dependendo a sua rendibilidade da evolução dos mercados. Na actual conjuntura, poderão não receber muito mais do que investiram, arriscando-se a receber menos. A evidência com que os americanos a caminho da reforma se defrontam não é muito diferente da que se deparará às novas gerações dos trabalhadores europeus, em cujos países o regime de protecção da segurança social tem encolhido. Tem-se abandonado o sistema em que quase independentemente das contribuições realizadas ao longo da vida os estados asseguravam uma pensão futura conhecida à partida. O regime de segurança social dominante da Europa, até recentemente, não era/é mais que um gigantesco esquema de pirâmide. Os trabalhadores que iam entrando para a segurança social, com as suas contribuições, iam pagando as pensões definidas dos trabalhadores que se iam reformando. Este esquema funcionou perfeitamente enquanto as populações europeias continuavam a crescer saudavelmente. Contudo, com o envelhecimento da população, é cada vez maior o número de reformados face aos trabalhadores que entram no sistema, tornando-o insustentável. O esgotamento do esquema de pirâmide implicou a revisão do modelo de segurança social na Europa, reduzindo benefícios definidos e evoluindo para esquemas mais próximos da realidade americana: capitalização e contributo definido - ou seja tipo PPR.
Esta alteração do modelo da segurança social, aproximando os trabalhadores europeus dos desafios dos seus congéneres americanos, não os coloca, contudo, ao abrigo de esquemas de pirâmide. Considerando uma economia "estável", com população estagnada e com paradigma tecnológico maduro, é a entrada contínua de novos compradores num mercado que permite a valorização dos activos de compradores anteriores (excluindo a remuneração decorrente dos dividendos e cupões). Nos últimos anos, na Europa e no Japão, esteve mais gente a comprar acções e obrigações que a vender, porque os trabalhadores estavam a constituir as suas poupanças em fundos privados ou públicos. Com o envelhecimento da população, esta tendência tende a inverter-se. Há mais gente a chegar à idade de reforma e a resgatar os seus fundos, vendendo os activos, que a entrar no mercado de trabalho e a constituir novas poupanças. Esta realidade piramidal coloca um importante desafio à valorização das poupanças no futuro. A recente estagnação da bolsa e dos activos financeiros japoneses é um vislumbre do possível comportamento futuro do rendimento das poupanças em sociedades tecnologicamente maduras e envelhecidas. Sem alterações de padrão tecnológico e/ou de dotação de recursos, a dinâmica económica tende a replicar, proximamente, um comportamento de pirâmide ditado pela evolução demográfica. Não será por acaso que alguns dos principais mitos fundadores da humanidade assentam em alegorias centradas em pirâmides.
Boas festas.
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