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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt
17 de Junho de 2009 às 11:34

Segredos bancários

Hoje é um dia decisivo para a banca: sai o Livro Branco americano que a quer mudar. Bem podia trazer um pequeno livro negro para Portugal: como é possível dizer que o BPN "só" nos custará mil milhões? E como podem as contas de...

Hoje é um dia decisivo para a banca: sai o Livro Branco americano que a quer mudar. Bem podia trazer um pequeno livro negro para Portugal: como é possível dizer que o BPN "só" nos custará mil milhões? E como podem as contas de Cavaco Silva andar a circular?

Comecemos pelo buraco do BPN: sim, é ignorância ou desonestidade dizer que são 2,55 mil milhões de euros. Não serão nem nunca foram, esse é apenas o astronómico valor emprestado pela Caixa, que (não se ria) espera reavê-lo. Sim: não se ria. Porque mesmo com um buraco inferior a mil milhões, como garantiu Constâncio, ou é malparado para a Caixa (logo, prejuízo, logo, mais necessidade de capital), ou o Estado injecta directamente no BPN para pagar à Caixa. Em todo o caso, não se ria: o dinheiro é seu.

É a magia da gestão de expectativas: primeiro evoca-se o péssimo, depois diz-se que será apenas o mau e isso passa a ser bom. Mil é menor que 2,55 mil mas é bem a dimensão de um escândalo. É uma exorbitância de dinheiro, e nem é preciso contar Ronaldos: se pudesse abdicar num ano desse valor, o Estado podia descer o IVA de 20% para 18%.

O BPN já tem pois lugar garantido nos livros de história pelas piores razões. Mas é espantoso como nos continua a surpreender.

O negócio de Cavaco Silva com acções do BPN, relatado com rigor e documentação pelo "Expresso", levantou todas as polémicas menos uma: o facto de as contas daquele cliente andarem na rua.

É um facto sem precedentes nem paralelo nas fugas ao segredo de justiça. Aqui trata-se de sigilo bancário, da vida privada dos clientes, do coração do negócio bancário. As cartas publicadas no "Expresso" só podem ter saído ou dos arquivos de Cavaco ou dos do banco. É assustador pensar que saíram do banco, ainda por cima um banco que agora é do Estado; e é arrepiante especular com que intenções o foi. Nem no Verão Quente de 1975 se transgrediu a regra: as contas dos Champalimaud, dos Mello, dos Espírito Santo foram congeladas mas nunca houve papéis na rua. O investimento de Cavaco no BPN tem o que se lhe diga (e aqui já se disse) mas tal não pode fazer esquecer que aconteceu esta espécie de "Envelope 9" desta Presidência.

Os banqueiros deixaram de confiar uns nos outros. O sistema financeiro já perdeu credibilidade na gestão do dinheiro dos seus clientes. Mas a devassa da confiança na informação dos seus clientes é o seu último reduto. Sem segredo bancário há degredo bancário.

Todos os Livros Brancos do mundo são inúteis se a banca não se respeitar a si mesma: assim ninguém a respeitará. O tão esperado Livro Branco da Administração Obama para a regulação do sistema financeiro devia deixar isso claro, seguindo, aliás, a utopia que o Grupo dos 8 deixou no domingo em Lecce: o compromisso com os padrões de "propriedade, integridade e transparência".

A regulação vai aumentar e vai mudar. O seu carácter pró-cíclico foi um erro: as regras de Basileia II, que exigem capital precisamente quando os problemas surgem, nisso agravando-os, serão enterradas; o estatuto "oficial" das agências de "rating", cuja metodologia não antecipa dificuldades mas aprofunda--as, deverá ser diluído; as regras de contabilização das acções ao preço de mercado ("mark to market") sobreavaliam os efeitos das subidas e descidas bolsistas. Falta ainda muito (definir rácios e capital, omissões e duplicações regulatórias, produtos estruturados, etc.) mas é já certo que os bancos precisarão de mais capital próprio e menos capital alheio para viver. E que, por isso mesmo, serão menos rentáveis que no passado. Que percam lucros é até bom. Mas não podem perder a noção do que é o seu negócio. Não é por eles, é por nós.

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