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Martin Wagner e Noni Austin
28 de Agosto de 2016 às 20:00

A morte dos locais Património Mundial

O futuro de locais Património Mundial – e, na verdade, do nosso planeta – depende da redução imediata das alterações climáticas induzidas pelas emissões de gás com efeito de estufa.

As alterações climáticas provocaram outra vítima. Quase um quarto do coral da Grande Barreira de Coral australiana, que é Património Mundial – um dos mais ricos e complexos ecossistemas – morreu este ano, no maior branqueamento massivo de coral observado na história. Mesmo nos confins mais setentrionais do Recife, que se encontram a uma longa distância das pressões humanas tais como o desenvolvimento costeiro, morreram espantosos 50% do coral.

 

As temperaturas do mar acima da média que espoletaram este branqueamento tornaram-se 175 vezes mais prováveis devido às alterações climáticas. Na medida em que o oceano continua a absorver calor da atmosfera, o branqueamento de corais em larga-escala como aquele que dizimou a Grande Barreira de Coral – para não falar noutros fenómenos destrutivos provocados pelas temperaturas crescentes – é provável que se torne ainda mais frequente e devastador.

 

O futuro de locais Património Mundial – e, na verdade, do nosso planeta – depende da redução imediata das alterações climáticas induzidas pelas emissões de gás com efeito de estufa. Ainda que muitos dos governos responsáveis pela protecção destes locais, situados no interior das suas fronteiras, estejam não apenas a falhar ao não adoptarem acções fortes em matérias climáticas; estão a apostar activamente em projectos baseados em energias poluentes como minas de carvão e centrais eléctricas a carvão.

 

Mesmo enquanto a Grande Barreira de Coral morria diante dos nossos olhos, a Austrália continuava a aumentar a sua exploração de combustíveis fósseis poluentes. No ano passado, o Governo australiano aprovou tanto a enorme mina de carvão de Carmichael como o terminal de Abbot Point, localizado perto do Coral, para facilitar a exportação global da produção vinda da mina de Carmichael. As emissões atribuíveis à mina de Carmichael serão das mais elevadas de todo o mundo vindas de um só projecto.

 

E este problema não se limita apenas à Austrália. No Bangladesh, um país com baixas altitudes e um dos mais vulneráveis às alterações do clima, o Governo apoia a proposta de construção de duas enormes centrais eléctricas a carvão adjacentes à floresta de Sundarbans, que é Património Mundial. Também a Índia apoia essa proposta.

 

Estas centrais eléctricas não produzem apenas enormes quantidades de gases com efeito de estufa; elas também vão devastar Sundarbans, onde o rio Ganges e outros rios se encontram no Golfo de Bengala, formando um espectacular delta de ilhas de mangues que são casa dos ameaçados tigres de Bengala e dos golfinhos do rio. As centrais eléctricas vão poluir as águas com cinzas de carvão tóxicas, trazendo consigo um constante tráfego de embarcações com carvão e tornando necessária a dragagem dos rios. O mercúrio proveniente das chaminés vai acumular-se na vida marinha, contaminando de forma permanente o abastecimento alimentar de centenas de milhares de pessoas e da vulnerável vida selvagem.

 

É verdade que o Bangladesh é energeticamente pobre, um problema que tem de ser enfrentado se o país quiser continuar a desenvolver-se economicamente. Mas existem alternativas. O país tem um significativo potencial para produzir energias renováveis, e é já um líder mundial em energia solar nos telhados.

 

Claro está que a responsabilidade de evitar perigosas mudanças climatéricas antropogénicas não recai somente em países que são detentores de locais Património Mundial. Mas, sabendo o que sabemos hoje em dia, iniciar projectos energéticos com tamanha capacidade poluente é indefensável.

 

Com os governos a falhar na protecção do nosso património natural, o Comité do Património Mundial (WHC, na sigla inglesa) tem de dar um passo em frente de forma a ajudar a colocar um ponto final à incansável exploração de combustíveis fósseis. Em concreto, o WHC deveria fazer recomendações aos governos no sentido da redução das ameaças relacionadas com combustíveis fósseis, identificando locais sob particular perigo de tais ameaças e levar a cabo missões de monitorização.

 

O objectivo deveria passar por, em primeiro lugar e antes de mais, encorajar à acção os governos com capacidade para reduzir ameaças relacionadas com combustíveis fósseis em locais específicos. Tais acções do WHC ajudariam também a educar e capacitar a sociedade civil, ao mesmo tempo que colocariam pressão sobre as instituições financeiras para reterem o financiamento necessário ao desenvolvimento massivo de projectos.

 

O encontro anual do WHC, como aquele que teve recentemente lugar em Istambul, é o tipo de fórum ideal para tais esforços. Nesta altura, dezenas de organizações e mais de 60 mil indivíduos solicitaram ao Comité que inste a Índia e o Bangladesh a cancelarem as centrais eléctricas propostas, substituindo-as por investimento em energias renováveis. De forma equivalente, dezenas de conceituados cientistas, ONG’s e advogados internacionais e australianos exigiram que o WHC aconselhe a Austrália a não continuar a apoiar projectos que irão exacerbar o impacto das alterações climáticas na Grande Barreira de Coral.

 

À medida que a ameaça das alterações climáticas se torna crescentemente ameaçadora, as instituições com capacidade de influência como o WHC têm de tomar posição contra o tóxico e insidioso legado da dependência face ao carvão e outros combustíveis fósseis. Se o comité continuar silencioso nesta questão crucial, os locais considerados Património Mundial por esse mundo fora vão sofrer.

Martin Wagner é advogado-executivo do Programa Internacional Earthjustice, a maior organização ambiental não-lucrativa dos Estados Unidos. Noni Austin é uma advogada australiana do Programa Internacional Earthjustice.

Copyright: Project Syndicate, 2016.

www.project-syndicat.org

Tradução: David Santiago

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