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Uma batalha por mil milhões de euros

Sem margem para rever as progressões automáticas – a começar pelas dos professores – o governo fica a meio da ponte e trava os ímpetos sindicais. Politicamente ninguém tem armas, hoje, para encostar o primeiro-ministro à parede nesta frente.

Quanto custa ceder às reivindicações dos professores? O primeiro-ministro fala em 600 milhões de euros anuais, mas esse é o impacto total em 2023. Como os sindicatos aceitam que o custo das progressões seja faseado, o impacto no próximo ano estaria algures "apenas" em 100 milhões de euros. Por outras palavras, o custo de ceder aos professores seria perfeitamente acomodável no curto prazo, até vir a ser enorme no médio prazo. Visto por este prisma o Governo estaria a fazer algo raro na política portuguesa: comprar uma luta com um lóbi ruidoso da Função Pública apoiado pelos seus parceiros parlamentares, em vez de ceder e atirar a factura para o final da próxima legislatura.

Mas os professores são apenas uma parte das carreiras especiais. Ceder aí significaria abrir a porta a cedências aos funcionários judiciais e das forças de segurança, criando pressão adicional da parte dos outros sindicatos fora destas carreiras especiais. Ceder a todos já significaria uma conta total de mil milhões de euros, noticiava ontem o jornal digital Eco, citando fonte governamental. Isso levaria a mais mil milhões de euros anuais no médio prazo, em despesa rígida e repetível todos os anos. É uma despesa pesada para um país com finanças públicas frágeis e que impõem uma carga fiscal que não baixa. E é difícil de explicar a quem trabalha fora do Estado e não compreende o conceito de progressão automática na carreira, ligado a tempo de serviço e a um modelo de avaliação benévolo.

Daí a decisão rara do Governo em enfrentar os professores a um ano das eleições. Sem margem política para avançar para uma revisão das carreiras como certamente queriam - a começar pela dos professores, que sobem de escalão a cada quatro anos - e confrontados com uma conta potencial enorme, Costa e Centeno ficam a meio da ponte. Politicamente não é o pior sítio para estar.

À direita o potencial de ganho eleitoral é curto, a não ser que o PSD ou o CDS afirmem preto no branco que com eles no Governo estas pessoas vão ter as progressões que querem, algo difícil de compatibilizar com um programa de disciplina orçamental e de maior equidade entre Estado e privado.

E à esquerda já começa a ser visível a tensão, que vai subir de tom nos próximos tempos, mas é de duvidar que nesta fase do ciclo político o PCP e o Bloco tenham capital para romper com o PS por causa de progressões automáticas no Estado. Acredito que boa parte do eleitorado ainda não esqueceu a crise - a linguagem do primeiro-ministro, "não há dinheiro", ilustra de resto como quer jogar com a opinião pública cicatrizada. Vai haver mais barulho nas ruas e no arranjo parlamentar que se convencionou chamar de "geringonça". Mas, no final, sabendo o que sabemos hoje, é de esperar apenas cedências muito controladas - e muito barulho. Qualquer coisa acima disto será sempre má política orçamental.

Jornalista da revista Sábado

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