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Fernando Sobral - Jornalista fsobral@negocios.pt
07 de Setembro de 2017 às 19:40

O tempo das frases ocas

Nos idos da monarquia constitucional discutia-se com vigor temas que não nos são muito estranhos. Afinal Portugal é um país de ciclos, que funciona como uma espécie de montanha-russa, em altos e baixos vertiginosos, que tiram a respiração e a sensatez a qualquer um.

Nesses tempos da década de 20 do século XIX, a que Oliveira Martins chamaria "o reinado da frase e do tiro", para lá do caos político e do fantasma sempre presente da dívida externa, seriam criadas condições para a institucionalização da apropriação do Estado e dos bens nacionais por um pequeno grupo que mudou de faces ao longo do tempo, mas não de postura. Chamavam-lhes "os devoristas". Nesses dias o jornal O Nacional escrevia que o governo seguia duas regras: "Quem pilhou, pilhou" e "quem não pilhou, pilhasse". A "escrituração do tesouro" revelava outro editorial, era feita por "partidas singelas e muito singelas" - "deve, há-de haver e Venha a Nós". A gestão do Estado no pós-25 de Abril tem seguido esse princípio: por isso engordou à conta dos interesses partidários. E não do interesse nacional. Por isso emagrecê-lo é impossível e desburocratizá-lo ainda mais.

Basta olharmos para a infeliz comédia sobre "onde pára o dinheiro" de Pedrógão, para se perceber o caos instituído que está depois ligado à incompetência e à política partidária em vésperas de autárquicas. A pobreza da campanha eleitoral para as autárquicas está a reconduzir-se a um candidato em Loures que, para ser reconhecido, vai dizendo uns dislates que contaminaram o discurso do partido que o apoia e o pedido de aeroportos para cada canto do país. Há dias assisti a um debate dos candidatos a Leiria e era fascinante ver alguém a pedir um aeroporto quando, por muito menos dinheiro, se propunha um comboio mais rápido para estar em 45 minutos em Lisboa. Tudo isto demonstra a frágil sociedade civil que vai assistindo como pode a este fogo-de-artifício. É espantoso como, depois destes fogos que destruíram parte de Portugal, muita da campanha não dedique uns segundos à forma de regular a floresta, de compreender a destruição da fauna e flora que vai desertificar ainda mais o interior, de discutir a gestão da água, que será um bem precioso. Isso parece ser irrelevante face a aeroportos para atrair o turismo.

Tudo isto tem contaminado a discussão política, muito fraca como se tem visto nos últimos meses. Com um Governo que se senta confortavelmente nos dados económicos, uma oposição que ainda não conseguiu deixar o luto de não ser Governo, e um sector de esquerda que julga que o Estado se tornou uma mina de ouro e se vai entretendo a desgastar a maior empresa industrial nacional, a Autoeuropa, por motivos de liderança partidária, que se pode esperar? O que se vê à volta: a falta de capital nacional e uma inexistência de um modelo de desenvolvimento sustentável. No tempo da monarquia constitucional, o regenerador Gomes de Castro dizia que: "Adeus, bancos, adeus, estradas, adeus, tudo, tudo, tudo." Neste tempo em que os portugueses acreditam que superaram a crise, apesar de a austeridade continuar por aqui, seria bom construir as traves do futuro. Mas esse tema parece não interessar muito neste tempo de frases ocas.

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