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João Carlos Barradas - Jornalista
03 de Março de 2015 às 19:16

A ambígua aliança israelo-americana

Obama e próximas administrações norte-americanas terão de levar em linha de conta outros interesses além da aliança com Israel.

 

A campanha de Benjamin Netanyahu contra um eventual acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano joga com a acrimónia entre republicanos e democratas, mas acentua o risco de quebra do consenso bipartidário quanto à aliança estratégica entre os Estados Unidos e Israel.

Alinhando com a maioria republicana no Congresso, Netanyahu crê estar em condições de torpedear em Washington um acordo que implique o levantamento faseado e parcial de sanções a Teerão no caso de a Casa Branca conseguir levar a bom porto as negociações.

Longe de certezas sobre um possível compromisso, que satisfaça igualmente os demais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha, é, contudo, claro que a troco de o Irão reduzir a capacidade de enriquecimento de urânio e plutónio e aceitar inspecções internacionais se procederá ao alívio de sanções.

Sanções e cedências         

Obama necessitará de autorização do Congresso para revogar parte substancial das sanções em vigor e, mesmo que Netanyahu venha a ser afastado do governo após as eleições do próximo dia 17, a maior parte dos decisores políticos e militares israelitas não deixará de manifestar críticas e reticências às putativas garantias oferecidas por Teerão.

É incerto, no entanto, que até ao final deste mês haja consenso preliminar para manter capacidade limitada e sujeita a controlos internacionais das infra-estruturas de produção de urânio (em Natanz e Fordo) e plutónio (Arak), definir os termos de vistorias a instalações militares, caso de Parchin, e prazos de vigência do acordo.

O líder supremo Ali Khamenei e o presidente Hassan Rouhani visam o levantamento das sanções internacionais e a preservação de um programa nuclear civil que, caso as circunstâncias o justifiquem aos olhos das lideranças iranianas, possibilite aplicações militares.

A legitimidade e credenciais nacionalistas do regime a tanto obrigam ainda que seja agora mais difícil encetar projectos militares clandestinos nos moldes seguidos a partir da década de 80.

Outros interesses

A China e a Rússia, apesar se oporem à emergência de novo pólo nuclear militar, preferem um Irão fortalecido que sirva de contrapoder a pretensões hegemónicas de outras potências regionais aliados dos Estados Unidos.

Moscovo, depois de ter concluído em 2011 a central nuclear de Busher e assinado contrato no final do ano passado para construção de mais reactores, propôs a venda de mísseis anti-balísticos S300VM "Antey-2500" em substituição dos S300V que concordara fornecer em 2007, mas cuja entrega foi cancelada devida a sanções impostas pela ONU em 2010.

Para Pequim, o maior importador mundial de petróleo (compras de 6,2 milhões barris/dia em 2014, mais 9,6% do que no ano anterior), o Irão é fornecedor de grande potencial no Golfo que representa a maior fonte regional de abastecimento de Pequim.

Em 2014, quando uma redução parcial das sanções ocidentais deu oportunidade ao Irão para vender 1 milhão barris/petróleo/dia, a China aumentou as suas aquisições para uma média de 549.250 bpd, enquanto as compras ao principal fornecedor, a Arábia Saudita, se cifravam em 993.320 bpd.

Um acordo com Teerão é do maior interesse para russos e chineses – propiciando ainda um incentivo à Coreia do Norte para negociações sobre o seu arsenal nuclear – numa conjuntura em que Washington, Londres, Paris e Berlim assumem a inviabilidade de alternativas militares.

Más opções 

Ostracizar o Irão tornaria ainda mais intratáveis os conflitos na Síria, Iraque e Afeganistão, sendo que do Líbano ao Iémen a influência de Teerão é considerável e factor a ter em conta em acertos de poder pacíficos ou pela força.

Custosos fracassos estratégicos no Afeganistão e no Iraque e o ignominioso volte-face de Obama, no Verão de 2013, ao ameaçar em vão bombardear as forças Bashar al Assad por uso de armas químicas, arredam Washington de intervenções militares de vulto.

É muito duvidosa a viabilidade dos Estados Unidos destruírem ou degradaram substancialmente "manu militari" as infra-estruturas da indústria nuclear iraniana para impor de seguida a Teerão um compromisso de renúncia a projectos militares.

Um confronto em larga escala, obrigando em determinadas fases a posicionar tropas no terreno, não é, actualmente, aceitável para a Casa Branca, nem encontraria sequer apoio entre muitos republicanos no Congresso.

A alternativa de agravar as sanções, exigindo o desmantelamento de toda a capacidade de enriquecimento de urânio e impondo inspecções irrestritas, proposta por republicanos e defendida por Netanyahu, é recusada por Teerão e desconsiderada por Pequim e Moscovo. 

Forçar a mão

Para Washington alteraram-se irremediavelmente os pressupostos de contenção no Médio Oriente da URSS através de estados clientes e movimentos revolucionários susceptíveis de subverterem o Irão do xá Reza Pahlevi e a Arábia Saudita que contaram como pressupostos para a aliança estratégica entre os Estados Unidos e Israel desde 1967.

Obama e próximas administrações norte-americanas terão de levar em linha de conta outros interesses além da aliança com Israel.

Em Telavive e Jerusalém pode lamentar-se a alegada falta de nervo e credibilidade de Obama, mas o risco de ruína do consenso bipartidário em Washington, concebido como apoio incondicional em última instância a qualquer governo israelita, pode começar a ser visto como sinal de distanciamento estratégico.  

O estatuto nuclear militar de Israel assegura-lhe capacidade de dissuasão única no Médio Oriente, mas se a ponderação de uma eventual e eminente ameaça iraniana prevalecer no caso de falhanço das negociações é bem possível que uma coligação de direita e extrema-direita tente forçar unilateralmente uma investida militar contra o Irão.  

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