Advogado em causa própria
No meio da algazarra permanente em que se tornou a sociedade portuguesa há um homem que por vezes aparece a dar uns berros, os quais, pelo estilo e pelo conteúdo, conseguem sobrepor-se ao ruído dominante.
No meio da algazarra permanente em que se tornou a sociedade portuguesa há um homem que por vezes aparece a dar uns berros, os quais, pelo estilo e pelo conteúdo, conseguem sobrepor-se ao ruído dominante. O assunto é invariavelmente o mesmo. Exigir o cumprimento das leis precisamente por aqueles que são os seus representantes mais destacados. Todos o ouvem, mas poucos gostam do que ele diz.
Marinho e Pinto, actual bastonário da Ordem dos Advogados, não é um português comum. Não fala em surdina, não se fica pelas meias tintas, não é conveniente. Diz o que pensa com uma veemência invulgar numa cultura de pudicícia e tibieza. É daquelas pessoas que estragam o ambiente de qualquer festa. E, no entanto, ninguém como ele tem defendido os portugueses dos abusos da justiça e dos processos ilegais de investigação. De facto, Marinho e Pinto tem sido o verdadeiro provedor de justiça em Portugal.
Os seus argumentos são objectivos. As polícias, magistrados e juízes não podem, em momento algum, cometer ilegalidades. Não é admissível que se realizem escutas sem autorização, se torturem presos ou se adulterem elementos de prova. Não é legítimo que se façam buscas sem razões muito bem fundamentadas; que se coloquem primeiro as pessoas em prisão preventiva para depois investigar; que se manipule sistematicamente a opinião pública com fugas de informação selectivas.
Neste ponto, tão determinante num tempo de circo mediático, Marinho e Pinto tem alertado para a crescente promiscuidade entre jornalistas e polícias, raras vezes para efeitos de esclarecimento da investigação e quase sempre com vista à manipulação da opinião pública. As fugas de informação de um processo em investigação só podem partir de dois lados, ou da polícia que investiga ou do Ministério Público que conduz a investigação. E, no entanto, praticamente todos os dias aparecem cópias de documentos que estão em segredo de justiça sem que aparentemente ninguém se interrogue como é isso possível. Esta realidade, escandalosa e particularmente grave em qualquer sítio civilizado, tem sido vista por cá como uma espécie de tradição. Erro grosseiro, já que o facto de existirem na polícia e/ou no Ministério Público pessoas que sistematicamente cometem graves ilegalidades só para favorecer determinadas perspectivas da investigação, ou ainda pior, determinados interesses privados ou políticos, é a efectiva origem das balbúrdias constantes em que a justiça no nosso país mergulhou. Acabe-se com as fugas e tudo acalma.
Elas não acabam contudo porque para além da motivação conjuntural ou mesquinha, existe um objectivo superior. Trata-se de transferir os julgamentos dos tribunais para a chamada praça pública. Incapazes de acusar com provas, certos polícias e certos magistrados colaboram activamente no linchamento mediático das pessoas. E uma vez desencadeado esse procedimento medieval ninguém escapa à condenação. São já demasiado os casos em que esses linchamentos resultaram nos tribunais em absolvição por declarada inocência ou falta de provas. Não é aceitável.
Marinho e Pinto tem denunciado tudo isto, visando sobretudo e naturalmente aqueles que deviam ser os primeiros a não permitir tais comportamentos. Ao invés de o escutarem, polícias e magistrados parecem contudo empenhados em demonstrar que o bastonário dos advogados tem mesmo razão. Basta ver como agora precisamente o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vem acrescentar mais alarido à vozearia geral com uma acusação de pressões. Não fosse o estado de delírio em que estamos e a declaração daria vontade de rir.
Desde logo, porque um magistrado que não consegue resistir a pressões é melhor escolher outra profissão. Segundo, porque o que são pressões numa sociedade aberta e democrática, onde toda a gente dá a sua opinião e mais do que isso "pressiona" para conseguir que as coisas evoluam no sentido que julga mais favorável? Mas, no fundo cabe perguntar: este Sindicato serve realmente para quê? É que nos últimos anos só o vemos a interferir e perturbar sistematicamente o andamento de processos que deviam estar sujeitos à descrição e recato. Só o vemos a agitar a opinião pública, com insinuações e politiquice. Só o vemos a pressionar tudo e todos com uma evidente falta de serenidade.
Portanto, menos mal que temos Marinho e Pinto para dizer as coisas como elas devem ser ditas.
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