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João Carlos Barradas - Jornalista
04 de Novembro de 2009 às 11:54

A tentação que perdeu Obama

De criança imatura a narcisista, passando por perigoso radical demagogo insensível ao sofrimento humano, ademais apostado na destruição da economia norte-americana, o mais celebrado radialista conservador dos Estados Unidos, Rush Limbaugh, não...

De criança imatura a narcisista, passando por perigoso radical demagogo insensível ao sofrimento humano, ademais apostado na destruição da economia norte-americana, o mais celebrado radialista conservador dos Estados Unidos, Rush Limbaugh, não poupou Barack Obama numa entrevista este fim-de-semana à FOX News.

Tiradas destas são o pão nosso de cada dia na FOX News por parte da maioria dos comentadores e de grande número de entrevistados, ainda que o canal de cabo criado por Rupert Murdoch em 1996 se autopromova como provedor de uma informação "justa e equilibrada".

A FOX News lidera desde 2003 a informação televisiva por cabo nos Estados Unidos, capta sobretudo a atenção de espectadores de orientação conservadora, tem um nicho de mercado bem definido e uns quantos jornalistas de alto gabarito.

Opinião enviesada para todos os gostos

Sob a direcção de Roger Ailes - um histórico do jornalismo televisivo e da assessoria política que muito fez pelas vitórias presidências de Richard Nixon, Ronald Reagan e Bush pai - a FOX News assumiu um tom claramente conversador em termos opinativos, nos alinhamentos e no teor da cobertura noticiosa.

Quase três décadas depois da informação televisiva por cabo ter sido inaugurada pela CNN, em 1980, os estudos de opinião mostram que a maioria dos norte-americanos dá pouco crédito à informação que passa nos ecrãs, seja em sinal aberto ou por subscrição.

No cômputo geral os media são, aliás, tidos por pouco fiáveis, segundo uma sondagem publicada no mês passado pelo Pew Research Center for the People & the Press.

Nas suas vertentes televisivas, radiofónicas ou impressas, a capacidade dos media para apurarem, em geral de forma fidedigna, os factos é apenas admitida por 29% dos inquiridos e 60% considera politicamente enviesada a cobertura da comunicação social.

Para 71% a televisão continua a ser a principal fonte de informação para a actualidade nacional e internacional e entre os inquiridos 40% conta com os canais por cabo para alimento informativo.

As clivagens ideológicas são particularmente acentuadas nas apreciações dos canais por cabo em que a FOX News capta os corações conservadores, em contraste com o pendor abertamente liberal do seu concorrente mais directo, a MSNBC, seguida, depois, pela CNN em tom menos estridente, mas vista, sobretudo, no espectro de centro-esquerda.

A Casa Branca contra um canal

Neste panorama noticioso televisivo marcado por nichos de mercado com marcada identificação ideológica, a administração Obama declarou guerra aberta à FOX.

O presidente, criticado de forma acirrada na FOX, que, por sinal, no dia da tomada de posse de Obama foi o único canal a acompanhar a viagem de regresso de George W. Bush ao Texas, deu luz verde para uma ofensiva em regra contra aquilo a que a directora de comunicações da Casa Branca, Anita Dunn, classifica como "um adversário".

O ataque de Obama ao alegado "braço ideológico do Partido Republicano" ecoa guerras tradicionais de presidentes, de Roosevelt a Nixon, contra críticos nos media e traz a marca de uma geração de políticos democratas marcados pelo falhanço de John Kerry em 2004, que viu afundar-se a sua candidatura ao falhar no contra-ataque às difamações e críticas lançadas pela equipa de George W. Bush.

A campanha contra a FOX é, obviamente, excelente para galvanizar as hostes democratas numa conjuntura difícil e foi justificada, em Junho, pelo próprio Obama, que afirmou tratar-se de "uma estação de televisão inteiramente dedicada a atacar a minha administração".

A estratégia da Casa Branca passa, presentemente, por tentar marginalizar como centros de interesses egoístas entidades como a Câmara de Comércio ou as seguradoras opostas - ao lado dos republicanos - a projectos de reformas na agenda de Obama.

O corolário desta opção na frente mediática obriga a apresentar como uma minoria radical que arruína o que de menos mau pudesse subsistir na oposição republicana todos os críticos de Obama que pontificam na FOX News ou a demagogia radiofónica de Limbaugh.

O passo em falso

Numa guerra onde vale tudo e Obama é rotineiramente acusado de arruinar a nação mancomunado com maoístas, comunistas, nazis, entre outros entes maléficos, a contra-ofensiva da Casa Branca assumiu, no entanto, contornos dúbios e contraproducentes quando a administração tentou excluir no final do mês passado a FOX do acesso a reuniões de jornalistas com responsáveis do Departamento do Tesouro.

Todos os concorrentes da FOX protestaram com a ostracização dos jornalistas da cadeia de Murdoch e a Casa Branca viu-se obrigada a justificar o mau passo assacando as culpas a funcionários ultra-zelosos do Departamento do Tesouro.

De então para cá, as gentes de Obama têm tentado acertar algumas regras de convivência civilizada com a administração da FOX, mas mantendo publicamente a orientação de que não podem ceder a uma cadeia dominada pela direita radical a determinação da agenda noticiosa que acaba por obrigar outras estações tidas por sérias ou simpáticas a seguirem assuntos ou cabalas alheias ao interesse nacional.

Há, por certo, racionalidade política na estratégia da Casa Branca ao tentar identificar certas empresas ou agentes dos media com uma agenda radical de direita como porta-vozes dos sectores mais extremistas que acabariam por definir o próprio Partido Republicano.

Dá para separar os bons ou recuperáveis republicanos de um núcleo radical e serve para enquistar os debates num preto e branco que neutraliza adversários, mas, no lado negativo, também aliena independentes, conforme as sondagens vêm demonstrando.

Bastou um único passo em falso, revelando laivos censórios e ostracistas da Casa Branca, para calar fundo e mostrar que em todos os seus excessos a liberdade de imprensa e a livre palavra ainda contam muito na América.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

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