A catástrofe irremediável
A explosão nos Urais é considerada, presentemente, o terceiro mais grave desastre nuclear em termos de contaminação depois de Chernobyl e Fukushima.
O sofrimento tem limite, o medo não tem.
Plínio, o Jovem
Já tinham passado nove anos, mas para Mikhail Gorbachev ainda era notoriamente doloroso falar de Chernobyl.
Nesta matéria, como em tantas outras, a conversa arrastava-se no escritório da sua fundação em Moscovo e as respostas invariavelmente batiam a tecla do "não sabia", "subestimámos a situação", "a informação era insuficiente".
Em 1995, quando falávamos os dois, o sétimo e derradeiro secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e o jornalista, já se podia contar com uma cronologia rigorosa da catástrofe.
A explosão ocorrera às 01 horas e 21 minutos de sábado, 26 de Abril, e o primeiro alerta de evacuação fora dado numa rádio da cidade de Pripiat 36 horas mais tarde.
Segunda-feira, as autoridades suecas tinham pedido explicações sobre a detecção de uma nuvem radioactiva e às 21:00, hora de Moscovo, a agência oficial TASS anunciaria laconicamente a ocorrência de um acidente num dos reactores da central ucraniana.
Gorbachev reconhecia tudo isso, mas insistia que quando a Comissão Política, o órgão máximo de decisão do Partido Comunista, se reunira logo na manhã de 26 de Abril era impossível avaliar a gravidade do desastre.
Dois dias depois, os Ministérios da Saúde e da Energia já tinham uma ideia mais clara da situação, mas para evitar o pânico as paradas do 1.º de Maio em Kiev e nas cidades mais directamente afectadas da Ucrânia e Bielorússia não foram canceladas.
O rol de inépcia e incúria era longo e, Gorbachev admitia-o, o desastre na Ucrânia quadrava pessimamente com a sua agenda política.
Desde que ascendera ao cargo máximo, em Março de 1985, enveredara por acções de dinamização política: a "aceleração" para aumento da produção e produtividade, a campanha anti-alcoólica, e acabara dias antes, a 8 de Abril, de lançar a palavra de ordem "perestroika" (reestruturação) para crismar nova era de reformas.
Chernobyl deitou tudo por terra.
No imediato, reconheceu que a política de propaganda e informação era "inadequada" e assim se justificou o ímpeto para outra palavra de ordem.
"Glasnost" (transparência), termo recuperado do léxico político czarista do século XIX, que o oficialíssimo "Dicionário Político Conciso" de 1987 viria a definir como "uma das principais formas de combate à burocracia", consistindo na "disponibilidade dos órgãos da administração para dar a conhecer a sua actividade".
De facto, a inépcia, a incúria e o secretismo do regime ante a catástrofe de Chernobyl tinham arruinado a credibilidade do reformismo de Gorbachev.
A inanidade da propaganda chegava ao ponto de o Kremlin reincidir na negação da ocorrência do acidente de 1957 no complexo de Maiak, perto de Tcheliabinsk.
A explosão nos Urais é considerada, presentemente, o terceiro mais grave desastre nuclear em termos de contaminação depois de Chernobyl e Fukushima.
O ex-secretário-geral assumia, também, que Chernobyl o chocara pelo impacto humano, mas reforçara, ainda, uma veia crítica, "antimilitarista", dizia, face ao risco das armas nucleares.
Só que fora uma catástrofe, irremediável, a purgar séculos a fio.
Notei tristeza, constrangimento, incómodo num Gorbachev prolixo, exuberante, mas inconvincente.
Sendo um homem sério, Mikhail Sergeievitch Gorbachev já então reconhecia quanto pesam as palavras de Plínio, o Jovem, que o Museu Nacional de Chernobyl, em Kiev, viria a tomar como divisa.
Jornalista
Mais lidas