Formar gestores para a complexidade
O que o contexto atual exige são ‘general managers’ capazes de compreender tecnologia sem serem engenheiros, de ler dados sem serem cientistas de dados, de avaliar impactos sociais e ambientais sem serem sociólogos; mas com profundidade suficiente para fazer as perguntas certas e tomar decisões informadas.
Durante décadas, a formação em gestão e em economia assentou numa separação relativamente clara de domínios: finanças de um lado, estratégia do outro, operações num terceiro espaço. O mundo funcionava, em grande medida, por silo. E as escolas de negócios refletiam essa lógica. Hoje, essa abordagem está claramente esgotada.
Os grandes desafios que enfrentamos — climáticos, tecnológicos, geopolíticos, sociais — não respeitam fronteiras disciplinares. Pelo contrário, emergem precisamente da interação entre sistemas económicos, tecnológicos, ambientais e humanos. Preparar os gestores e economistas do futuro exige, por isso, uma mudança profunda: não basta saber mais de uma área; é essencial saber ligar áreas diferentes.
Um recente relatório do World Economic Forum (WEF) sobre tecnologias emergentes para um planeta mais próspero é particularmente elucidativo. As soluções identificadas — da fermentação de precisão à observação da Terra em tempo real, da inteligência artificial aplicada à economia circular à transição energética — não são apenas tecnológicas. São soluções que combinam ciência, dados, engenharia, regulação, modelos de negócio, ética e impacto social. O ponto central não é a tecnologia em si, mas a capacidade de a integrar em decisões estratégicas responsáveis e com impacto.
Isto coloca um desafio direto às escolas de gestão. Continuar a formar excelentes especialistas funcionais é necessário, mas manifestamente insuficiente. O que o contexto atual exige são ‘general managers’ capazes de compreender tecnologia sem serem engenheiros, de ler dados sem serem cientistas de dados, de avaliar impactos sociais e ambientais sem serem sociólogos; mas com profundidade suficiente para fazer as perguntas certas e tomar decisões informadas.
Esta competência não nasce apenas da acumulação de cadeiras. Nasce da articulação entre disciplinas de gestão, humanidades e tecnologia.
As humanidades — filosofia, ética, história, sociologia — ajudam a enquadrar decisões num horizonte de longo prazo, a compreender consequências não intencionais e a lidar com dilemas reais de poder, justiça e responsabilidade. A tecnologia — inteligência artificial, ciência de dados, automação — redefine a forma como criamos valor, organizamos empresas e tomamos decisões. A gestão continua a ser o espaço de síntese: onde estratégia, inovação, governação, liderança e execução se encontram.
Esta integração não é um luxo académico; é uma necessidade prática. Um CEO que decide investir em inteligência artificial sem compreender os seus impactos organizacionais e éticos corre riscos sérios. Um gestor que define uma estratégia de sustentabilidade sem perceber de tecnologia ou cadeias de valor globais está condenado à irrelevância. E um economista que ignora limites ambientais ou dinâmicas sociais oferece análises cada vez menos úteis.
É neste contexto que, no próximo dia 27 de janeiro, lançaremos o Centre for Impact in Global Management (CIGMA) na Católica Porto Business School. O centro nasce precisamente da convicção de que a qualidade da gestão — sobretudo ao mais alto nível — será um dos principais fatores críticos para o futuro das organizações e da economia.
O CIGMA não é mais um centro temático. É um hub de gestão geral, orientado para líderes que carregam responsabilidade global sobre as suas organizações: CEO, administradores, conselhos de administração, empresários familiares e líderes de empresas de média dimensão com ambição internacional. O seu foco está na integração entre governação, estratégia, finanças, liderança, sustentabilidade, inovação e tecnologia.
Mais importante ainda, o CIGMA assume explicitamente uma lógica de ponte: entre investigação académica e prática empresarial; entre reflexão e ação; entre conhecimento técnico e julgamento humano. Porque formar gestores para o futuro não é apenas transmitir ferramentas, mas desenvolver critérios, capacidade de síntese e sentido de responsabilidade de longo prazo.
Num mundo em que sete dos nove limites planetários já foram ultrapassados, como sublinha o WEF, a gestão deixa de ser apenas um exercício de eficiência económica. Passa a ser, inevitavelmente, um exercício de responsabilidade sistémica. E isto exige uma formação que vá além da técnica.
As escolas de negócios que não fizerem esta transição arriscam-se a formar líderes excelentes para um mundo que já não existe. As que conseguirem integrar gestão, tecnologia e humanidades estarão a preparar decisores capazes de navegar a complexidade e de criar valor sustentável num contexto profundamente incerto. No fundo, a questão já não é se precisamos de gestores mais completos. A questão é se estamos dispostos a repensar seriamente como os formamos!
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