Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresenta demissão

O director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, António Brigas Afonso, apresentou esta quarta-feira o seu pedido de demissão à ministra das Finanças. O pedido já foi aceite.
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Bruno Simão/Negócios
Elisabete Miranda e Ana Luísa Marques 18 de Março de 2015 às 10:04

António Brigas Afonso, que assumiu o cargo em Julho de 2014, apresentou esta quarta-feira, 18 de Março, "o seu pedido de demissão à ministra de Estado e das Finanças, que foi aceite", pode ler-se num comunicado do Ministério das Finanças enviado às redacções.

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Esta demissão ocorre dois dias após o Ministério das Finanças ter pedido à Inspecção-Geral das Finanças a abertura de um inquérito para apurar se a polémica "lista VIP" existe mesmo.

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"O Ministério das Finanças comunica que solicitou hoje [16 de Março] à Inspecção-Geral de Finanças (IGF) a abertura de um inquérito sobre a alegada existência de uma lista de contribuintes na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), cujo acesso seria alegadamente restrito. Este inquérito, a realizar pela IGF, enquanto entidade externa da AT, destina-se a realizar o apuramento de todos os factos relativos a este assunto", informa o gabinete de imprensa.

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Os rumores sobre a existência de uma "lista VIP" começaram ainda no ano passado, quando se soube que havia dois funcionários do Fisco que estavam a braços com um inquérito por terem acedido aos dados do primeiro-ministro. A pergunta ecoou e ficou no ar: como é que o Fisco sabe quem acede ao quê?

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Meses depois, contudo, as suspeitas materializam-se. Tal como o Negócios escreveu ainda em Fevereiro, os inquéritos evoluíram para processos disciplinares, e havia já 27 funcionários a braços com estes processos por terem acedido aos dados de Passos. Mais do que isto, outros funcionários têm processos disciplinares análogos por terem consultado dados de outras figuras públicas, nomeadamente do sector financeiro.

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Nessa altura, já Paulo Ralha relatara ao Negócios que, numa acção de formação para novos inspectores, os funcionários foram informados da existência de uma lista VIP de intocáveis. "Quando um auditor, numa formação, diz isto perante várias centenas de pessoas, é elucidativo", disse na altura o sindicalista. 

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A notícia ganhou entretanto novo fôlego quando a revista Visão veio garantir que a referida lista existe efectivamente, e que os nomes que dela constam terão sido ordenados por Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que desmentiu a informação. 

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As contradições levaram entretanto a ministra das Finanças a pedir à Inspecção-Geral de Finanças que abra um inquérito à existência da referida lista, tendo também a Procuradoria Geral da República anunciado que está a acompanhar a situação. 

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"A lista não existe e nunca existiu"

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Num email de despedida enviado esta manhã aos funcionários do Fisco, Brigas Afonso garante que "essa lista não existe e nunca existiu, como a AT já informou", mas admite que há procedimentos em curso, nesse sentido, que não chegou a comunicar à tutela. 

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"Todos os processos disciplinares que são do conhecimento público resultam exclusivamente de notícias publicadas nos jornais com violações consumadas do direito ao sigilo e de queixas de contribuintes individuais sobre acessos indevidos aos seus dados pessoais", prossegue o director-geral da AT, que garante ainda que "não foi aberto nenhum processo contra funcionários que efectuaram consultas no exercício das suas funções".

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Contudo, no parágrafo seguinte, Brigas Afonso deixa no ar a possibilidade de existência de diligências no sentido da elaboração de algum tipo de mecanismo que detecte antecipadamente a consulta do cadastro de alguns cidadãos. Diz o agora ex-director-geral que "a importância e a sensibilidade da protecção dos dados pessoais dos contribuintes exigem da AT a adopção de metodologias preventivas, e não apenas reactivas, contra a intrusão e o acesso ilícito, estando a ser ponderadas novas alternativas, mas sem que nenhuma tenha sido até agora implementada".

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Numa outra carta, onde apresenta o pedido de demissão à ministra das Finanças, que está a ser avançada pela Lusa, Brigas Afonso vai mais longe sobre este assunto. "Tenho consciência de que, ao não ter informado a tutela destes procedimentos e estudos internos, possa ter involuntariamente contribuído para criar uma percepção errada sobre a existência de uma alegada lista de determinados contribuintes, razão pela qual coloco o lugar à disposição".

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Nessa mesma carta, o director-geral demissionário enfatiza que o Governo não teve qualquer intervenção nesta questão e que a AT "nunca" recebeu qualquer lista por parte de "nenhum membro do Governo" nem "nunca recebeu quaisquer instruções, escritas ou verbais, de qualquer membro deste Governo" para elaborar aquela lista, explicando ao longo da carta, de forma cronológica, os vários acontecimentos que agora levam à sua demissão.

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Em setembro do ano passado, explica Brigas Afonso na carta enviada à ministra das Finanças, e divulgada pela Lusa, a área de segurança informática da AT propôs um procedimento de controlo de acesso aos dados, com mecanismo de alerta de determinados contribuintes e verificação da legalidade das respetivas consultas.

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No mês seguinte, em Outubro, o subdiretor-geral, substituto-legal de Brigas Afonso despachou favoravelmente essa informação, solicitando uma avaliação sobre as medidas propostas e que fosse apresentada uma proposta de implementação de uma medida definitiva de salvaguarda do sigilo fiscal.

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Paralelamente a este procedimento e de forma totalmente autónoma e sem relação com os acontecimentos anteriores de setembro e outubro, explica o diretor demissionário, foi decidido também em setembro, e "de acordo com procedimentos habituais", abrir um procedimento de auditoria na sequência de notícias que revelavam indícios de violação do direito do primeiro-ministro, Passos Coelho, ao sigilo fiscal.

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Brigas Afonso diz também que nos últimos anos foram abertos "diversos" procedimentos de auditoria e de inquérito com base em noticias publicadas na comunicação social, referentes a outros contribuintes, que não o primeiro-ministro.

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E reafirma que todos os processos e procedimentos em questão são do foro estritamente interno da AT, não tendo origem na tutela politica, que não teve conhecimento desses procedimentos em nenhuma fase, prosssegue a Lusa. 

 

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Mas explica que, em resultado da sua decisão de setembro de averiguar fugas de informação sobre a situação fiscal de Passos Coelho, a direção-geral de Serviços de Auditoria Interna (DSAI) elaborou em novembro um relatório de auditoria a eventuais consultas de dados pessoais do primeiro-ministro, no qual é feita uma "desadequada e errada" referência à implementação de uma medida de controlo de acessos a determinados contribuintes.

 

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Brigas Afonso garante ainda que nuca foi recebida por parte da DSAI a proposta de concretização da medida de controlo sugerida; nunca foi constituída qualquer lista de contribuintes nem acionados quaisquer alertas.

 

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Por fim e já em fevereiro de 2015, Brigas Afonso, depois de analisar a medida e mais uma vez, sublinha, sem dar conhecimento à tutela, decidiu dar sem efeito aquele procedimento "por ter concluído que a utilização das tecnologias mais recentes proporciona modelos de auditoria com resultados mais eficientes e aplicáveis de forma transversal a todos os contribuintes".

 

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Voltando à carta enviada aos funcionários, Brigas Afonso diz que o seu pedido de demissão "destina-se apenas a proteger a AT da polémica que já se situa fora do âmbito da protecção de dados pessoais e do patamar institucional da AT".

 

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Recorde-se que esta manhã, Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) acabou por admitir a existência de uma "lista VIP" e sugeriu que o Governo foi enganado sobre este tema.

 

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O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) já disse que não acredita nesta versão da história. Garante que Brigas Afonso é dos que menos responsabilidade tem, e aponta o dedo ao subdirector-geral para a Justiça Tributária, José Maria Pires, e ao próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

 

O STI vai mesmo mais longe e pede a demissão do subdirector-geral para área da Justiça Tributária.

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António Brigas Afonso foi o nome escolhido pelo Governo, em Julho de 2014, para liderar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

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Brigas Afonso era, na altura, um desconhecido da generalidade dos contribuintes mas um veterano nos Impostos. Oriundo das Alfândegas, o centenário organismo da Fazenda Pública que em 2011 acabou engolido na reestruturação que levou à formação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), participou activamente na evolução legislativa na área aduaneira e dos impostos especiais sobre o consumo.

 

Discreto e reservado, António Brigas Afonso acabou por ser uma surpresa na corrida ao lugar ocupado por José Azevedo Pereira.

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A sua candidatura não estava entre as comentadas nos corredores do Fisco, mas o facto de ter sido um candidato oriundo de um grupo com uma forte tradição histórica que passou a minoritário na fusão foi visto com simpatia por alguns observadores.

 

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Quem se relacionou com ele descreve-o como um funcionário público "à moda antiga", dedicado, diplomático e com um profundo conhecimento técnico das matérias.

 

(Notícia actualizada às 10h16 e novamente às 13H30 com indicação do conteúdo das cartas de demissão e de despedida)

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